Ao Rafael Castela SantosNão me refiro
À Nova Aliança. Escrevo, tendo presente a obra notável
que António Sardinha nos legou, «A ALIANÇA PENINSULAR», em que
propunha, como alternativa à Aliança Inglesa, que não o satisfazia, um
compromisso político e estratégico de acção comum dos dois países
ibéricos, que dessem continuidade aos elementos civilizadores comuns
que, na História, haviam guiado o seu desempenho.
Sardinha escrevia em época na qual ainda havia potências europeias
que contavam. Ao teorizar o enlace Ibérico, doutrinava contra os
iberismos, quer o integrador, ainda fresco no pensamento de Afonso
XIII, deixado claro na entrevista de Miramar, quer os federalistas,
propugnados pelos republicanos oitocentistas de Cádis, como pelos
socialistas do Século XX e, ininterruptamente, por figuras gradas das
maçonarias de ambas as Nações.
Começa por desmontar o atávico espantalho do «perigo espanhol»,
recordando-nos que, a partir de de D. Fernando e até que o projecto
de união concebido por D. João II e os Reis Católicos teve o trágico
fim que se sabe, Espanha viveu também um "perigo português" de
intervenção e intentada hegemonia. Contrapõe depois a oportunidade
falhada, com Filipe II (primeiro de Portugal), em que os dois reinos
mantinham a sua especificidade sob Cabeça Coroada e imperativo
estratégico comuns, à perversão do sistema com que Olivares, no puro
intuito de melhor servir o seu Rei, Filipe IV, procurou passar Portugal
de Reino a província. Prossegue, pondo a nu a
lenda negra, espalhada
por servidores de religiões anti-católicas, como Guilherme o Taciturno,
ou rivais amorosos de Filipe II, quais Antonio Perez. E mostra como
também, por tabela, nos tocou um tanto dessa propagandeada
difamação.
No Século XX, já falecido o Mestre Integralista, dois génios políticos,
Franco e Salazar, sempre estribados na
Arte do Possível, conseguiram
uma versão reduzida à mínima expressão do entendimento hispânico,
consubstanciada na
Amizade Peninsular, o qual, limitado como era, deu
no entanto para preservar as suas Pátrias, acossadas por compromissos
internacionais antagónicos, de se martirizarem num conflito em prol dos
interesses de outros.
E hoje? Para quem, como eu ama a Espanha, tendo lá passado férias anos
a fio, seria sedutor actualizar o grande ensinamento que venho evocando.
Quando Sardinha redigia o seu tratado, Portugal tinha um Império imenso.
Agora, é o que se sabe. A pujança da economia espanhola, bem como a
diversa dimensão de ambos os Países, poderá inspirar temores. Mas é
preciso não esquecer que Espanha também sofreu. Além da perda das
possessões marroquinas, que eram essenciais na doutrinação do escritor
português, vive um momento em que o antiquíssimo problema das
"nacionalidades" não encontra em Madrid um poder disposto a
resistir ao desmoronamento com que ameaça. Portugal poderia,
através de um programa de acção comum com o seu Grande Vizinho,
desviar as energias das lutas intestinas para objectivos mais amplos
de afirmação.
Que objectivos seriam esses? Decerto o da defesa de interesses
económicos comuns ameaçados, no seio da Europa pretensamente
unida, por Europeus de outros quadrantes, insensíveis que são ao
que é essencial à sobrevivência digna do modo de vida dos membros
do Sul do Continente. Mas mais, muito mais, poderia a unidade da nossa
acção constituir-se, neste planeta unipolar, como um derradeiro nicho
de resistência aos hedonismos que investem contra os restos da
Civilização Católica que nos formou e onde creio estar a Verdade: o
de origem norte-americana, expresso no consumismo desenfreado e
o que alastra a partir da Europa reformada e pretende utilizar as
instituições europeias para padronizar todos à sua medida - o do
abortismo e da insensibilidade perante a manipulação genética,
prestes a redundar na hedionda pré-programação.
Claro que a afirmação enunciada estaria sempre dependente de termos
em Madrid e em Lisboa políticos com estatura, precisamente o que
nos vai faltando. Mas será bom que as ideias vão precedendo os Homens.
Aqui lanço o meu repto a que outros, com mais dons, intervenham,
no sentido de fortalecer o credo orientador com que, por enquanto,
apenas podemos sonhar.
Esperemos que, desta, como escreveu o Poeta,
o sonho comande a vida.