Leitura Matinal -188
Todo o mérito que há na preocupação pelo que a Outrem possa suceder de mal transforma-se em perversão quando, com raízes mais fundas na nossa instabilidade, do que na periculosidade real, desata o mecanismo soft da histeria, que é ser devorado pela inquietude. No mundo contemporâneo o fenómeno é frequente. Pelo que, a obsessão com a perda redunda tanta vez naquela que não era esperada: a do timorato atento. E não poucas vezes o socorro vem do que era visto como mais necessitado dele, embora não na forma que teria podido obviar à fatalidade - a tranquilização quanto ao receio de que foi beneficiário; por uma razão simples, ter sido inconsciente dele.
A consciência, se mantida, sem cessar, em vigília, como a insónia aqui representada, pode acabar por fazer do seu "dono" o escravo que, uma vez sacrificado - porque abandonado -, sucumbirá totalmente. Que é um pouco a história de certa infelicidade, nos dias que correm.
De Yannis Ritsos, com tradução de Eugénio de Andrade,
O SONÂMBULO E O OUTRO
Durante a noite não pregou olho. Seguia
os passos do sonâmbulo sobre o tecto. Cada passo,
pesado e ôco, ressoava infindamente num canto
vazio de si próprio. Ficava à janela, esperando
apará-lo nos braços, se viesse a cair. Mas se o outro
o arrastasse na queda? Era a sombra de um pássaro
na parede? Uma estrela? Era o outro? As suas mãos?
Ouviu-se um baque surdo no pavimento. Amanhecia.
Abriram-se janelas. Os vizinhos acorreram. O sonâmbulo
descia rapidamente as escadas de serviço
para acudir àquele que tombara da janela.
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