O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Thursday, November 24, 2005

Leitura Matinal -189

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Ter algo em que apoiar-se para não se estatelar no pedregoso caminho da Vida, é anseio equilibrado pela apaziguadora recompensa de prescindir de um guia. A autosuficiência conferida por um cajado é porém prejudicada pelo eterno retorno do percurso já percorrido, cujas variações não bastam para obviar ao comportamento do Espaço como se Tempo fosse, viciado pela personalidade andante que não consegue
transformar a realidade com o entusiasmo que aplica em cada novo dia. Mas ai dele se assim não procede! É o elo que o prende e em que se prende, deixando, ironia pobre, mas verdadeira, a calma imensa para o desenraizado pau que não dispensa.
A sua dependência do inanimado companheiro é o seu drama e a sua grandeza.
Eacreveu um Poeta:


O bordão do peregrino busca as suas raízes por toda a terra
enquanto o peregrino erra de lugar em lugar. O bordão
conduz o peregrino pela mão e às vezes ilusório floresce
porque na intangível Ítaca amanhece. Então o peregrino remanhecido
segue as raízes do bordão assumido logo como ceptro real
que ao tocar o fúlgido areal é só bordão de mendigo.
O peregrino ignora o perigo da razão quando a ilha sai do horizonte.
Como a água que volta à fonte suspende-se e é piloto de Argos à tona
de nada. É um gesto que se desmorona antes de concluir-se.

E no entanto o peregrino ao cumprir-se é a concretização da luz
na especificidade que produz as circunstâncias do lugar
e é também o caminho circular na peregrinação que faz
dentro de si. Ave pertinaz sobre a planície de Gizé
sabe o intricado lugar que é a própria viagem,
sente o não-lugar e a voragem da palavra que esventra o real,
sulca o imenso areal e derreado de evidências
une as sucessivas confluências da temeridade e do medo.
O peregrino acorda cedo e desenha os pilares do dia
com a linfa azul da alegria. Um corpo triunfante
eterniza-o em cada instante ficando para o seu bordão
a recolhida quietação dos pássaros nas sombras do meio-dia.

O peregrino coloca uma taça vazia sob o indício
de cada sensação e de cada início de si porque ele é o incompleto
diante do secreto zénite do ser. Ele é o que ama
e no cerne da chama em trânsito arrisca o seu limite.


Este poema, de um Anónimo do Séc. XX, como tal publicado,
dedico-o à Viajante, cuja Figura escolhida para nom de
plume tem a incomparavelmente maior honestidade de ir
proclamando que não tem um destino único identificado.
O "peregrino", designação que adoptaria, se não assinasse
com o meu nome, é um batoteiro. Afixa um fim para a sua
caminhada, sabendo bem que nunca o cumprimento do seu percurso
será desinteressado, diluído que está nas voltas em si.
Erra tanto como Viajante, no sentido de vogar. E muito
mais, no de enganar-se. Mas há momentos bons, quando
caminhos se cruzam com todos Aqueles com que, por bem, depara
nas estradas da vida, a mais Venturosa Concretização das
encruzilhadas do seu querer.

A imagem é «Peregrino», de Carl Gustav Carlus.

4 Comments:

  • At 5:43 PM, Blogger João Villalobos said…

    Interrogo-me sobre se verdadeiramente entenderás as dimensões esotéricas deste poema ;)
    Mas, seja como for, o anónimo está de parabéns. De certeza que é um compagnon ou anda lá perto :)

     
  • At 6:21 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    EXOTÉRICA Maria:
    estamos todos à espera que nos elucides acerca do hermetisno subjacente. Mas estetica e axiologicamente, como penso entrever nas Tuas esotéricas palavras, todos concordamos que tem merecimento...

     
  • At 9:37 PM, Blogger João Villalobos said…

    Vai chamar Maria a outro! :)

     
  • At 9:44 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Hihihihihihi! E ainda não viste o que vou fazer com a tua fantasia! Hihihihihih!
    Já tens "net" em casa, ao que vejo. Para quando o novo blogue?

     

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