Não é pequeno drama o do Poeta não poder esquecer-se dos esquecimentos de que deu conta. Constata que a sua obra é feita deles, no sentido
incontestável de a cada escolha corresponder um leque enorme de preterições que resultarão em esquecimentos a prazo. E também, nesta linha, porque tratar um tema significa deixar esquecidos pela não-consagração poética todos as possíveis alternativas. Mas na Arte, como na vida, há espaços que não podem ser
preenchidos por todos, logo, o terror de os deixar dominados pelo vazio obriga a essa necessidade indeclinável de amar, digo de esquecer. Passo a passo, preparamos o esquecimento maior - que é o de viver. Na consciência de que o
In Memoriam de cada um está condenado a dissipar-se em fases sucessivas: a perda na memória dos sobrevivos, a hora final dos que, entre estes, nos conheceram, a deterioração do sentido e apelo do nosso rasto, o fim da própria Espécie Humana. Por isso no Oriente é visto como alívio. Já que onde não há memória o esquecimento despoja-se de qualquer significação.
No Ocidente, porém, sempre foram apercebidas as voltas que a busca do esquecimento traz. Leto proibida pela ciumenta Hera de dar à Luz o solar Apolo e A lunar Artemisa em qualquer canto do Globo, encontrou enfim duas ilhas
esquecidas para o parto dos que, em alguma medida, simbolizam a especificidade dos dois géneros a unir. Mas por ironia foi num desses confins, em Delos, que se ergueu o santuário que perpetuou no mundo Helénico a memória do grande nascimento dos dois filhos de Zeus. Como, no mundo Cristão, sabemos que à morte sucederá a Ressurreição, a qual do esquecido é recuperação e superação; e que substitui o tempo cronometrável pela Eternidade. Para os Escolhidos, igualmente, uma forma de alívio.
Do mexicano Homero Aridjis, traduzido por
Fernando Pinto do Amaral:
ESQUECIMENTOS
Vi esquecimentos de todos os tamanhos
junto das coisas,
maiores do que sombras.
Esquecimentos junto à árvore que corre
e junto ao rio que cresce,
esquecimentos nas mãos que estreitam
os seios que fogem presentes;
esquecimentos que vêm ter connosco
sob forma de corpos
e pequenos silêncios.
Vi esquecimentos sobre esquecimentos
no movimento amoroso.
Eu fiz uma vida de esquecimentos,
um caminho de esquecimentos
uma obra de esquecimentos.
O dia em que morrer
não será o dia da minha morte,
será o dia do meu esquecimento.
O esquecimento do meu princípio
irá juntar-se ao esquecimento do meu fim.
E tudo, dentro e fora de mim,
será esquecimento.
Com recurso ao
Terragem, temos a imagem computorizada do
«Esquecimento», segundo Joshshund. De artes mais clássicas
podemos apreciar «Canções do Rio do Esquecimento», de Frank
Boyden e «Leto», de Peter Kocak, concebida para... evitar o
esquecimento, pois de um
ex-libris se trata. Mas essa é,
sabe-se bem, a ambição de toda a arte, apesar de concretizar,
nas mais das vezes, modalidades menos funcionais.