O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Sunday, January 29, 2006

Ficção Dominical

Aquela Casa há muito que já não é o que, outrora, foi. A machadada final ocorreu quando a Senhora Dona Eleições revelou à filha, a Pátria Pós-Abrilina que o seu pai não era o putativo palrador que se dizia. Desnorteada, a moça perspectiva o suicídio como única libertação da vida que leva, no prostíbulo da conhecida intermediária Dê-Dê, onde ia aguentando, na esperança de que aquele que acreditava seu progenitor fizesse, um dia, algo por ela.
Mas muito tempo decorrera sem que, naquela morada, se desse coisa alguma a quem precisa. O mais insistente dos mendigos, um paralítico chamado Ti Povo, lembrava com saudade o tempo em que ali morava o Senhor Real, quando, todos os dias, lhe era dada a malga com a sopa do Respeito. Ainda tentou continuar a receber algum das novas ocupantes, porém a dona da casa, em vez de lhe dar o caldo que conforta, meteu-lhe na mão um papel dobrado, dizendo-lhe que aquilo melhoraria a vida dele.
O pobre velho desconfiava. Mas não sabia ler. Foi pedir à Patroa da Menina - a qual tinha letras - que lhe dissesse o que era o papelucho e o que fazer com ele. Os olhos da Dê-Dê brilharam. Disse-lhe que era um boletim de voto. O mendigo pensou que era para assinar e disse que não o sabia fazer. A proxeneta sugeriu-lhe que, sendo analfabeto, bastava fazer uma cruz. O indigente não tinha caneta. Ela respondeu-lhe que a fizesse com o seu sangue.
O velhote foi na conversa. lá desenhou, o melhor que podia, a Figura que lhe tinham ensinado ser o Sinal do Supremo Bem. A instigadora, ao ver o signo no papel, recuou bruscamente. Mas lembrando-se da natureza do documento, rapidamente se apossou dele dizendo:
Agora és meu. Acabas de assinar um cheque em branco.
O pobretão tentou contestar:
- Mas... eu não tenho conta no banco!...
Ela, impiedosa, respondeu:
- Tens, tens, ou antes, tinhas. Era a tua alma. Acabas de transferir os fundos para mim.
O espoliado gritou, num transe de angústia:
- Quê?! Quem és tu?
A resposta veio, implacável:
- Nunca te perguntaste o que queriam dizer as minhas iniciais? "D-D"? O meu nome é Democracia. Ainda não és capaz de adivinhar o meu apelido?
- Diabo!
- Sim, sou eu.

8 Comments:

  • At 5:58 PM, Blogger Jansenista said…

    Ao Director:

    Anda por aí um redactor que, com alusões oblíquas mas fáceis de perceber, assumiu o encargo de denegrir gratuitamente o nome da melhor cantora de Jazz da actualidade, Mrs. Dee Dee Bridgewater.
    Pode o Sr. Director chamar a atenção ao redactor, para que não se repita essa provocação aos amantes de Jazz? Pode os Sr. Director esclarecê-lo de que esses fanáticos do Jazz conseguem ver claramente, sob o manto diáfano de um ataque reaccionário às virtudes da Democracia, o intuito que o moveu?

    Atentamente,
    a) Thierry Eliez

     
  • At 6:47 PM, Blogger Pedro Botelho said…

    A propósito de reacção, prezado Misantropo, deixei um comentário para si naquela caixa do Gordon & derviches, lá no Maintiendrai.

     
  • At 8:20 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Camarada Leitor Jansenista:
    O Comissariado Misantrópico de Vigilância das Artes e Letras louva-o pela denúncia que fez.
    Ser reaccionário, como sabe, faz parte do programa oficial da Gloriosa Revolução Misantropista, porém o facto de o redactor se ter oposto ao que não existe, as virtudes da democracia, fez os camaradas controladores acreditar que seria um pretexto para um qualquer ataque ilegítimo. Ressuscitaram-se práticas processuais antigas e foi o escrevinhador submetido a tormento. Usou-se a técnica processual da «questão» para aquilatar da fidedignidade do indivíduo. Só se ele tivesse ido muito longe na mentira poderia não reconhecer que tinha metido água. Ao quarto litro, porém, descoseu-se com um argumento importante: como caiu em desuso a prática de traduzir os nomes próprios estrangeiros, essa situação deve ser estendida às iniciais. Parece, assim, que não quis denegrir a Dee Dee. Escapou pois, apenas com uma repreensão e o aviso de que estamos alertas. Como continuamos certos de que o Camarada Jansenista estará, igualmente, vigilante.
    Saudações revolucionárias!
    O Camarada Comissário do Povo
    ass. ilegível.

     
  • At 8:24 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Caro Pedro:
    o que eu vi foi o do Richardson, lembro-me bem do inconfundível olhar dele e, já, de se falar em atmosfera de propaganda. Quanto ao Gordon, se todos tivessem sido como ele, não teria havido as malfeitorias dos "boxers", da pior gente que já pisou o planeta...
    Ab.

     
  • At 11:52 AM, Blogger Paulo Selão said…

    «D» só se for de ditadura. Democracia não é o diabo. Democracia e Monarquia não são incompatíveis como se pode ver por essa europa fora, Japão, etc.
    A qualidade da nossa democracia e a consciência política do nosso povo é que deixa muito a desejar mas o que é que se pode esperar de uma república das bananas. Aos dignatários da dita até convém que o povo português continue assim por muitos anos ou décadas pois caso contrário...

    www.pedra-no-chinelo.blogspot.com

     
  • At 3:34 PM, Blogger Pedro Botelho said…

    Misantropo: "[...] as malfeitorias dos "boxers", da pior gente que já pisou o planeta..."

    Olhe que eles são reacção, muito mais que iniciativa. E cortar cabeças, toda a gente cortou, à excepção daqueles blemmyae do Plínio, que não a tinham para cortar.

    A propósito: calculo que a melhor gente seja aquela que obriga nações inteiras a consumir saborosos opiáceos para proporcionar melhores sonhos, não é verdade? Isso sim, é bondade e altruísmo...

     
  • At 7:10 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Oh Pedro! Então foram os Ingleses que introduziram o ópio na China! Malvados. A outra alegação merece resposta sob a forma de "post".

    Meu Caro Paulo Selão:
    Também poria entre os habitantes do Inferno esse tumor comissarial que é a ditadura. Democracia é coisa de milhentos sentidos. No de "partidocracia", que vigora, é mais do que o Diabo, é Satan "himself". A minha é a OUTRA, como dizia Mário Saraiva. Sei bem que, formalmente, um Rei pode conviver com os partidos. Mas estou muito longe de admirar essa coexistência nos Países que referiu, salvo no caso britânico. Têm muito mais dinheiro do que nós, mas a vida pública deles apresenta problemas que, convictamente, considero a evitar, por cá.

     
  • At 1:39 AM, Blogger Pedro Botelho said…

    Misantropo: "Oh Pedro! Então foram os Ingleses que introduziram o ópio na China! Malvados."

    Não me diga que não sabia! À falta de referência mais imediata, aqui fica a Wikipedia.

    Quanto a essa coisa de os ingleses serem particularmente malvados, só posso comentar que é um grande disparate.

    Como toda a gente sabe ou devia saber, as generalizações desse género são sempre abusivas, a nao ser quando se trata das virtudes do nosso povo, bem entendido...

     

Post a Comment

<< Home

 
">
BuyCheap
      Viagra Online From An Online pharmacy
Viagra