Leitura Matinal -253
Seria impossível prolongarmos um pouco mais a nossa jornada pelo carreiro da Vida, se não aplacássemos o emboscado temor do fim
com a ajuda de paragens revigorantes, escalas necessárias à beira do rio que continua a fluir, para, descansando, nos entregarmos à face obscura da consciência, prenhe de enredados percursos sem a desculpa da procura, mas recheados com a angústia de não se achar a saída. Ora, sabe-se bem que estas deaambulações à
beira do abismo são igualmente expeditas em nos transportar aos vales luminosos e floridos, compensadores do pesadelo anterior, alternâncias condensadas e paroxísticas das fases sucessivas que vivemos, despertos. Sem espaço ou tempo estanques é na ausência da intencionalidade das elaborações do querer que se manifestam as profundidades menos adivinhadas do desejo, seja dirigidas
ao Passado, seja a puras candidaturas que, sem darmos por isso, propomos. É na compensação destravada do onirismo que irrompemos pelo território maleável - mas imoldável - da expansão de limites que transforma o impossível, o que, acordados somos obrigados a dar por irrealizável, na abertura da porta do alargamento de extensões susceptíveis de serem abarcadas pelos nossos olhos. Por isso o homem, metafórica ou literalmente, não suporta deixar de sonhar. E quando isso acontece, morre.
De António Machado, como se calcula, por José Bento colocado na língua portuguesa:
DO CAMINHO
XXI
Dava o relógio as doze... e eram doze
enxadadas na terra...
...Minha hora! - gritei -...E o silêncio
respondeu-me: - Não temas;
não verás cair a última gota
que na clepsidra treme.
Dormirás ainda muitas horas
sobre esta margem velha,
e numa pura manhã encontrarás
tua barca atada a outra ribeira.
XXII
Na terra desolada
o sonho tem veredas
labirínticas tortuosas,
parques em flor e em sombra e em silêncio;
criptas fundas, escadas sobre estrelas;
retábulos de recordações e de esperanças.
Frágeis figuras que passam e sorriem
- brinquedos melancólicos de velho -;
são imagens amigas
na curva florida do carreiro,
e rosadas quimeras
que abrem caminho... longe...
aperaltados com a ajuda de «Uma Margem de um Rio»,
de Albert Fitch Bellows, «O Sono e o Seu Meio-Irmão,
Morte», de John William Waterhouse e «A Barca», de
Pedro Garcia Espinosa.
com a ajuda de paragens revigorantes, escalas necessárias à beira do rio que continua a fluir, para, descansando, nos entregarmos à face obscura da consciência, prenhe de enredados percursos sem a desculpa da procura, mas recheados com a angústia de não se achar a saída. Ora, sabe-se bem que estas deaambulações à
beira do abismo são igualmente expeditas em nos transportar aos vales luminosos e floridos, compensadores do pesadelo anterior, alternâncias condensadas e paroxísticas das fases sucessivas que vivemos, despertos. Sem espaço ou tempo estanques é na ausência da intencionalidade das elaborações do querer que se manifestam as profundidades menos adivinhadas do desejo, seja dirigidas
ao Passado, seja a puras candidaturas que, sem darmos por isso, propomos. É na compensação destravada do onirismo que irrompemos pelo território maleável - mas imoldável - da expansão de limites que transforma o impossível, o que, acordados somos obrigados a dar por irrealizável, na abertura da porta do alargamento de extensões susceptíveis de serem abarcadas pelos nossos olhos. Por isso o homem, metafórica ou literalmente, não suporta deixar de sonhar. E quando isso acontece, morre.
De António Machado, como se calcula, por José Bento colocado na língua portuguesa:
DO CAMINHO
XXI
Dava o relógio as doze... e eram doze
enxadadas na terra...
...Minha hora! - gritei -...E o silêncio
respondeu-me: - Não temas;
não verás cair a última gota
que na clepsidra treme.
Dormirás ainda muitas horas
sobre esta margem velha,
e numa pura manhã encontrarás
tua barca atada a outra ribeira.
XXII
Na terra desolada
o sonho tem veredas
labirínticas tortuosas,
parques em flor e em sombra e em silêncio;
criptas fundas, escadas sobre estrelas;
retábulos de recordações e de esperanças.
Frágeis figuras que passam e sorriem
- brinquedos melancólicos de velho -;
são imagens amigas
na curva florida do carreiro,
e rosadas quimeras
que abrem caminho... longe...
aperaltados com a ajuda de «Uma Margem de um Rio»,
de Albert Fitch Bellows, «O Sono e o Seu Meio-Irmão,
Morte», de John William Waterhouse e «A Barca», de
Pedro Garcia Espinosa.
4 Comments:
At 4:45 PM, o engenheiro said…
Estavas a ver se passava meu sacrista ! Com que então José Bento ! Não tenho dúvidas de que é um bom tradutor de literatura e até de poesia espanhola. Sê-lo-ia ainda mais se visse melhor. Talvez lhe possas recomendar um oculista que lhe corrija a miopia.
António Machado, un hijo de puta que escrevia bem e tinha um irmão que lhe não ficava atrás (mas como era pró-falangista a sua cotação literária é praticamente nula). Eu também leio o Antonio Machado mas postá-lo !? Já tem tantos slots disponíveis para quê aumentá-los ainda mais ?
At 6:36 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caríssimo Engenheiro:
A poesia aqui seleccionada é-o independentemente da ideologia dos Autores. O critério reside apenas no mérito literário que lhes detecte. Abstraio da biografia, somente relevando o que, de facto, está escrito, como, em tempo, foram notificadas Duas Figuras Grandes desta casa, a saber, FG Santos e Eurico de Barros, quando se insurgiram contra um poema da Sophia.
Manuel Machado era outro enorme poeta, quanto a mim ainda maior do que o irmão. Já publiquei dele um belo poema, que terias lido, se cá viesses todos os dias, como muito Leitor Abnegado, disposto a suportar a minha prosa chata e comprida, por um momento de deleite com belos versos.
Toca a andar para trás, consultando a postagem anterior. Mas atenção: vais ter outros desgostos, até Paul Éluard consta...
Abraço apertado.
At 11:04 PM, Viajante said…
Apetece trazer a interpretação dos sonhos (costela freudiana?) e o que aproxima onírico e vivido.
A esperança é o sonho do homem acordado, afirmaria Aristóteles. De modo que se sonha em qualquer circunstância de vida, da mais atenta vigília à fase mais profunda do sonom do literal ao metafórico.
A proximidade sono-morte, seria interessante explorar :)
e, decerto fazendo parte do leque de lidos atrevo-me a recomendar «O mundo encantado do sono» :)
Beijos, sorrindo da compensação destravada.
At 8:25 AM, Paulo Cunha Porto said…
Senhora:
Que era e é destravada, parece não oferecer dúvida. Pode é ser parca como compensação... E todo o poema e o pobre comentário que o acompanha, tentam tocar essa proximidade entre o sono e a morte, indefinição ou terra de ningúem em que confortos e temores se entrelaçam.
Beijo.
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