Conversar com o
FG Santos, ainda que com mediação
internética, é sempre frutuoso. A leitura do nunca
por demais aconselhado
post que, há dias, publicou
sobre Maurras trouxe-me à lembrança uma outra Figura,
que vou evocar brevemente.
Charles Benoist foi um politólogo de mérito, muito
moderno para a época em que escreveu, uma espécie de
Carl Schmitt menos jurídico e mais histórico e literário.
Serviu a Terceira República francesa, quer em gabinetes
de ministros, quer como parlamentar e, finalmente, como
diplomata. Para o fim da vida, a observação dos
podresdo regime que conheceu por dentro impeliu-o a aproximar
as suas posições das de
l´Accion Française, chegando até
a realizar
conferências convergentes nos organismos do
movimento maurrasiano.
Da sua vasta obra saliento um livrinho que é dos melhores
diagnósticos que conheço sobre a paranóia partidocrática,
«Les Maladies de la Démocratie» em que, com erudição e
argúcia, identifica quatro maleitas principais de que padece
um país com a desgovernação assente num sistema de listas
eleitorais. São eles a
parlamentarite, a
eleitoralite, o
indiferentismo de escolha - expressão pela qual traduzo, com
insuficiência manifesta, «
n´importequisme» e a «
comitardite»,
o
poder dos "comitês eleitorais" sobre os eleitos, que, hoje
e por cá, corresponderia ao que constatamos na acção dos
directórios partidários.
No primeiro caso estigmatiza a passagem da representação local
e, sobretudo profissional para a partidária, de uma assembleia
nacional, através da experiência histórica francesa, bem como
o epidémico alargamento dos campos de intervenção da
deliberação parlamentar.
Na segunda doença foca a subversão do papel de escolha a que
uma eleição, quando muito, se deveria cingir, para passar a
ser um cheque em branco preenchido a "representantes" que
nada representam, continuando a convocar a História, chegando a
lamentar que a Restauração de 1814 haja sido somente dinástica
e se tivesse rendido a um expediente
cartista; como vê
progressivas explosões numéricas do eleitorado e da legislação,
com um crescimento proporcional do aumento legislativo e da falta
de qualidade dos legisladores. Igualmente realça a demagogia, feita
base de todo o sistema, frisando que, ao contrário do que criam os
Antigos, ela não constitui uma preversão da Democracia, mas é,
antes, base essencial dela, a par das mistificações gangrenantes da
soberania popular e da igualdade.
No terceiro ponto ataca a ausência de critério e de habilitações
dos parlamentares, seja na apresentação ao sufrágio da populaça
que «preferiu Barrabás a Jesus», seja, pior ainda, na arbitrária
distribuição pelas comissões, com consequência directa numa
infecciosa fungibilidade na provisão dos ministérios por
politiqueiros profissionais sem especialização, substituída
pelos favores e cumplicidades da camaradagem parlamentar.
Por fim, disseca o poder que os "comitês eleitorais" tinham naquele
sistema francês, na selecção dos eleitos e na influência sobre
a sua acção posterior, eliminando qualquer veleidade de
independência. Em apêndice deslinda o mecanismo da caça ao voto.
Tudo isto não nos parece estranhamente familiar?