O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Monday, October 24, 2005

Leitura Matinal -158

Tem a desilusão dois irmãos menos conhecidos, porém
igualmente eficientes: o cansaço e a saturação. Os três,
operando articuladamente, ou a solo, criam para si a
prerrogativa de eliminar a vitalidade humana. Mas só
conseguem levar a água ao seu moinho quando a mudança
destruiu uma aplicação pouco recomendável de um todo
humano: a crença, alimentada sem crítica, na sublimidade
de lutas vãs, ou a viciação apartada das exigências espirituais
numa contraditória concepção, a dos prazeres automáticos.
Optar e fruir podem contribuir para o completo curso da vida,
desde que se não inferiorize o desempenho do interesse
reflexivo e inquiridor. Quando se dá essa morte, está prometida
a hipnótica atracção pelo nada que, impossível de pensar, é
facílimo de desejar.
Sempre experimentei a tentação de dar um conteúdo mais
complexo a este poema, substituindo, no segundo verso, "espora"
por "espera". Embora a perda seguinte mantivesse o tom da
obra, ter-se-ia aberto a passagem a um raio de luz salvador
para muitos que, dele precisando sem o notarem, quisessem agir
de acordo com a Sugestão incorporada.
De Charles Baudelaire, via Fernando Pinto do
Amaral,

O GOSTO DO NADA

Espírito inerte, a quem as lutas agradavam,
A Esperança, cuja espora te atiçava o ardor,
Já não te quer montar! Deita-te sem pudor,
Velho corcel, já trôpego a cada obstáculo.

Desiste, coração; dorme em paz como um bruto.

Para ti, velho malandro, ó espírito vencido!
Já não tem gosto o amor, assim como a batalha;
Adeus, tinir do cobre e suspiros da flauta!
Prazeres, não tenteis mais este peito sombrio!

Perdeu já o perfume a bela Primavera!

E engole-me o Tempo, minuto a minuto,
Tal como a neve imensa a um corpo enregelado;
Contemplo cá de cima o globo arredondado
Sem já nele procurar uma choça, um reduto.

Avalanche, não queres arrastar-me na queda?

1 Comments:

  • At 11:14 AM, Anonymous Anonymous said…

    Para ...

    Esta noite o vento ceifa os bosques e
    uma raiva sacode a terra. Se a voz
    do mar chamasse pelas velas, os estreitos
    aguardariam um naufrágio. E se dissesses
    o meu nome eu morreria de amor.

    Devo, por isso, afastar-me de ti - não por ter medo de morrer (que é de já não ter que tenho medo), mas porque a chuva
    que devora as esquinas é a única canção
    que se ouve esta noite sobre o teu silêncio.

    (Maria do Rosário Pedreira)

     

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