Leitura Matinal -165
Quando, no fundo do nosso espírito, por muito escondida
que esteja, reina a intranquilidade, não há realidade alguma
que seja neutral. Inocentes pedaços de matéria inanimada,
sob as mais diversas formas - bem como outros, de culpa
menos virginais - revestem-se de significados e de lembranças
que atormentam. Mas só superficialmente podemos considerá-
-los como agentes da revanche de outrem. A verdadeira vingança
é dupla e reside em nós: quando uma coisa age perturbantemente
sobre uma consciência, tirando desforço de passados adormecidos,
está a transferir para ela o estatuto de objecto, mais que não seja
dessa mesma acção. E porque permanece impassível enquanto vê
o homem desgastar-se, triunfa sobre ele no que, provavelmente,
encararia como superioridade sua. A vingança é própria dos
objectos. Mas é o que afinal são os seres humanos.
De Jaime Salazar Sampaio,
A VINGANÇA É PRÓPRIA DOS OBJECTOS
abro a gaveta procurava um lenço
e a carta dobrada colou-se-me aos dedos
sacudo-a
as suas letras teimam em ser lidas
numa insistência claramente feminina
tento ignorá-la com gestos polidos
mas a carta segue a favor do vento
e desarma o braço
em suor soletro linha a linha o texto
desde a data ao alto corre um rio de sons
e a assinatura tornada granito
pesa-me nos pulsos com um peso exacto
que esteja, reina a intranquilidade, não há realidade alguma
que seja neutral. Inocentes pedaços de matéria inanimada,
sob as mais diversas formas - bem como outros, de culpa
menos virginais - revestem-se de significados e de lembranças
que atormentam. Mas só superficialmente podemos considerá-
-los como agentes da revanche de outrem. A verdadeira vingança
é dupla e reside em nós: quando uma coisa age perturbantemente
sobre uma consciência, tirando desforço de passados adormecidos,
está a transferir para ela o estatuto de objecto, mais que não seja
dessa mesma acção. E porque permanece impassível enquanto vê
o homem desgastar-se, triunfa sobre ele no que, provavelmente,
encararia como superioridade sua. A vingança é própria dos
objectos. Mas é o que afinal são os seres humanos.
De Jaime Salazar Sampaio,
A VINGANÇA É PRÓPRIA DOS OBJECTOS
abro a gaveta procurava um lenço
e a carta dobrada colou-se-me aos dedos
sacudo-a
as suas letras teimam em ser lidas
numa insistência claramente feminina
tento ignorá-la com gestos polidos
mas a carta segue a favor do vento
e desarma o braço
em suor soletro linha a linha o texto
desde a data ao alto corre um rio de sons
e a assinatura tornada granito
pesa-me nos pulsos com um peso exacto
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