O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Sunday, October 23, 2005

Exercícios Injustificados

O conhecimento da História não justifica, não pode
justificar tudo. Com certeza que legitima a investigação
sobre os factos e pode fundamentar o inquérito que incida
sobre as motivações dos agentes. O que está fora de causa
é dar cobertura a especulações recaindo sobre concepções
íntimas impossíveis de determinar.
A conveniência de relembrar este preceito é detonada por
uma controvérsia que, pela sua imaterialidade, não deveria
ter sido alvo do debate público. Pacheco Pereira e Miguel Urbano
Rodrigues envolveram-se numa polémica estéril acerca do para
eles magno tema da concepção que Cunhal faria de si. O Autor
do «Abrupto» defendeu ter o antigo leader comunista uma ideia
hagiográfica da sua própria pessoa, a qual traspareceria,
inclusivamente, na sua produção ficcional. Contrapôs o
ex-director de «O Diário» haver o ex-secretário-geral do seu
partido «sido um herói, mas nunca se ter visto como um santo».
A questão é duplamente deslocada. Primeiro, observamos dois
homens sem religião discorrendo sobre a Santidade, removedo-A
do seu contexto específico, ao ponto de a separarem da essencial
virtude da humildade.
Em segundo lugar, é evidente que qualquer caudilho político que
haja devotado uma vida à luta pelo triunfo de uma revolução, a
menos que seja desonesto, tem forçosamente de acreditar que a sua
experiência é um modelo para os seus seguidores, na justa
proporção do que penou. E se esse lutador escreve romances e
novelas, é perfeitamente natural que fale do que conhece, da dura
realidade que atravessou. É uma visão do mundo que pode até ter
sido reforçada, no caso concreto, pela consciência de que os
opositores internos funcionaram como Caetanos do Comunismo,
dirigindo-o sem detenças para a derrocada. O que nunca vi foi
Cunhal cair em jactâncias risíveis, como é apanágio das vaidades
de outros, mais fracos, falo mesmo de um dos seus biógrafos. Ao
ser interrogado sobre a tortura que teria sofrido, ouvi-o sempre
dizer «é verdade que fui submetido à tortura do sono e à
imobilidade forçada. Mas muitos camaradas houve que tiveram de
suportar tratos ainda piores».
Claro que, perante isto, não se pode querer que "um militante
com responsabilidades", para usar liguagem cara ao PCP, não
pense que este não é o caminho a seguir. No entanto, quando
reafirma a experiência de um grupo vasto, como base do retrato
que pinta, também por coerência estética e literária, por muito
que perpasse a certeza de traços identitários pessoais, faz tudo
menos recriar-se.
Os dois intelectuais que perderam o seu tempo e o dos outros
a discutir questão tão fútil, desvaneceram-se na vaidade das
suas posições sobre o tema. Um, na acossada mitificação de um
homem. O outro, na tentativa de lhe colar pequenas fraquezas
entendíveis e desejáveis pelos inferiores e de explicar a
Realidade por estados de alma pessoais e reflexos.
Maus caminhos para a historiografia.!

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