Como sintomas indesmentíveis do relativismo moral
que assola a sociedade em que nos mexemos, julgando
nela viver, vieram até nós, mansamente, duas notícias
reveladoras. Na Holanda, as autoridades fiscais aceitaram
a dedução por uma sua súbdita, dos custos de um curso de
bruxaria que terá frequentado. Da Colômbia, somos informados
de que se desenrolou numa prisão de mulheres um concurso de
beleza em que participaram as reclusas.
Querem, combinados, os dois casos dizer que as máquinas dos
estados deixaram de formular juízos negativos sobre condutas
tidas como ameaças às sociedades que, no papel, estão fadadas
para defender. A bruxaria já não é o pacto com o Diabo que vem
ameaçar a comunidade cristã, porque, não sendo já relevante
esta, se espalha uma recusa em acreditar num qualquer pacto
com o Supremo Mal, dado por extinto. E o crime deixou, da
mesmíssima maneira, de ser considerado uma agressão maldosa,
para ser encarado como uma doença, decorrendo a sua punição
com divertimentos semelhantes aos da vida exterior, tal qual
os esforços para animar os pacientes nos hospitais.
A explicação para esta incontida alteração de respostas é
fácil de diagnosticar. Não se quer aceitar que haja, sem
atenuações, comportamentos absolutamente anti-sociais, pois
pretende-se alimentar a ilusão de ser o modelo vigente uma
etapa tão avançada no progresso humano que ninguém a pode
execrar. As práticas que o afrontam passam, por conseguinte,
a ser
excentricidades ou
patologias dignas de compreensão.
Umas porque tidas por inócuas, as outras, por uma inversão
lógica, fomentando a necessidade de reparação aos agressores,
dados como sendo os inicialmente agredidos.
Eu não acredito na eficácia da bruxaria. Mas tenho por certo
que muita gente nela acredita e que, em consequência, ministra
produtos tóxicos como filtros de amor, lança pragas e outras
perseguições verbais susceptíveis de abalar muita gente mais
frágil e, no extremo, pode chegar a sacrifícios de animais ou de
humanos. Tudo o que se poderia evitar com proibições eficazes,
enquadradas pela reprovação moral correspondente.
Da mesma forma, acredito que a comportamentos criminalmente
proscritos deve corresponder uma sanção que faça lembrar aos
castigados a razão pela qual ali estão; e não levá-los a crer
que passam poe umas férias involuntárias. Que lhes ensinem uma
profissão que, paga a dívida, lhes facilite a reinserção, muito
certo. Que se lhes permita o desporto e algum convívio aptos
a não lhes tornar cruelmente insuportável a punição, não me
parece mal. Mas permititir-lhes acreditar que também naquele
meio há beleza, como lá fora, e que ali podem satisfazer os
sonhos competitivos de uma vida livre, é, quanto a mim, ideia
nefasta.
E antes que alguém se lembre de me atirar que defendo uma nova
e obsessiva caça às bruxas, quero deixar bem claro que nada
disso advogo. Quero é evitar uma grande caldeirada, a pior de
entre elas: a misturada moral.