O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Sunday, September 25, 2005

Leitura Matinal -129

É coisa digna de nota, ainda que duma nota de tristeza,
ver alguém com princípios deixar que eles sucumbam às
práticas condenáveis. Acontece todos os dias. O homem
de Verdade que começa a mentir e acaba afogado em
falsidades. Duas fontes principais dão origem a esta
desqualificação. Uma, é fazer o que os outros fazem,
para não passar por lorpa. A outra é a obscura e amarga
constatação de que os que não são dignos de crédito
vingam, enquanto os mais puros estagnam ou, pior, definham.
A busca da aparente, porque imediata, recompensa é assim
mais do que meio caminho andado para a perdição. E não me
refiro às mentiras convencionais em que quase todos, aqui
e ali, caem para preservar a sua vida social, qualquer que
seja ela. Falo é das mentirolas para escapar às responsabilidades,
como da actividade enganosa, feita modo de vida oficial ou oficioso.
Ficai com uma cantiga de escárnio e maldizer de
Pero Mafaldo:

Vej´eu as gentes andar revolvendo
e mudando aginha os corações
do que põem antre si os varões;
e já m´eu aquesto vou aprendendo
e ora cedo mais aprenderei:
a quem poser preito, mentir-lho-ei
e assi irei melhor guarnecendo.

Ca vej´eu ir melhor ao mentireiro
c´ao que diz verdade ao seu amigo;
e por aquesto o jur´e o digo
que jamais nunca seja verdadeiro;
mais mentirei e firmarei log´al
(e) a quem quero bem, querrei-lhe mal,
e assi guarrei come cavaleiro.

Pois que meu prez nem mia honra nom crece,
porque me quigi teer à verdade,
vêde lo que farei, por car(i)dade,
pois que vej´o que m´assi acaece:
mentirei ao amigo e ao senhor
e poiará meu prez e meu valor
com mentira, pois com verdade dece.

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