Projecção
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Mísera e mirífica consolação, aquela que quer acreditar que o que o Tempo tirou, o Tempo dará. Em vez de reconhecer a culpa sem resgate possível, da vontade, estima-se que só a falta de oportunidade cortou rente a estrada da idealização que para si se estabeleceu. Ao ponto de convencer-se de que, possivelmente noutro Mundo, ainda será possível
a demanda das mil vezes matutadas ambições para a realização das quais se dá como falta e faltosa a disponibilidade, quando é certo que o que falhou foi o arrojo. Esperança indigna entre todas, a que trapaceia continuamente, dizendo-se capaz de chegar ao inalcançável no momento em que, afinal, já se for outro que não aquele que fracassou; e fingindo estar perdido algo que não o próprio eu!
E era tão fácil perceber que a remissão maior está nesta nostalgia do que afinal se não teve...
Para bater o record de reticências, de José Prudêncio:
NAVIO PERDIDO
Porque é que o meu navio se fez ao mar,
sem que eu tivesse tempo de partir...?
...E sòzinho no cais, fui, a chorar,
olhando as velas brancas a sorrir...
...A sorrir como esperanças a afastar
sem rumo deste ponto de afligir
em que eu fiquei? Por que razão o mar
me roubou deste modo o sonho? Hei-de ir
ainda procurar o barco à vela
que o meu ideal criou, alevantado,
e me deixou no porto abandonado...
...Hei-de ir... Hei-de ir... No dia em que a procela
arrebatar meu corpo já tornado
pedra nua de um cais desmantelado...
Com «O Barco Partiu», de Kej Stenvall
e
«Perdido», de Raymond Betancourt.
a demanda das mil vezes matutadas ambições para a realização das quais se dá como falta e faltosa a disponibilidade, quando é certo que o que falhou foi o arrojo. Esperança indigna entre todas, a que trapaceia continuamente, dizendo-se capaz de chegar ao inalcançável no momento em que, afinal, já se for outro que não aquele que fracassou; e fingindo estar perdido algo que não o próprio eu!
E era tão fácil perceber que a remissão maior está nesta nostalgia do que afinal se não teve...
Para bater o record de reticências, de José Prudêncio:
NAVIO PERDIDO
Porque é que o meu navio se fez ao mar,
sem que eu tivesse tempo de partir...?
...E sòzinho no cais, fui, a chorar,
olhando as velas brancas a sorrir...
...A sorrir como esperanças a afastar
sem rumo deste ponto de afligir
em que eu fiquei? Por que razão o mar
me roubou deste modo o sonho? Hei-de ir
ainda procurar o barco à vela
que o meu ideal criou, alevantado,
e me deixou no porto abandonado...
...Hei-de ir... Hei-de ir... No dia em que a procela
arrebatar meu corpo já tornado
pedra nua de um cais desmantelado...
Com «O Barco Partiu», de Kej Stenvall
e
«Perdido», de Raymond Betancourt.
2 Comments:
At 10:30 PM, Viajante said…
Nem de propósito (sorriso)!
Depois de um longo tempo em viagens, chegar aqui e ler «projecção», é uma quase-saudação! Ainda que a quem faltou o arrojo não seja já o mesmo que aquele que reflecte sobre a falta e o ser-(se)-faltoso.
E de um sopro de Heraclito não falta quase nada...
saudo-Vos,
At 12:04 PM, Paulo Cunha Porto said…
Queridíssima Viajante:
Só não seria saudação por andar eu aos caídos, desgostoso de Vos pensar arredada desta casa. A Saudação segue mais acima. E sim, Heraclito está sempre presente neste pobre espírito que tudo faz para se detectar algum devir. O que é muito mais facilitado pela Vossa Intervenção.
Beijo nostálgico.
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