Emotion Pictures
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Hoje faz anos Wim Wenders, de cujas obras maiores sou incondicional admirador. Já seduzido pelo fio narrativo de «O AMIGO AMERICANO», tornei-me admirador confesso do díptico angélico, na medida em que os alados Filhos de Deus não mais invejavam os Homens, ou desciam da Sua Sublime Condição, com vista à fruição das Filhas daqueles, antes levavam o investimento sentimental à própria renúncia à espiritual imortalidade para partilharem integralmente uma condição sofredora, por amor dela. No limite, a imitação possível do Salvador, em pleno Século XX, com a não dispicienda nuance de o Amor Universal pesar, mas a concretização eleger uma relação entre todas as demais.
Contudo, já antes me tinha rendido a um filme que reputo como um dos melhores de sempre: «PARIS, TEXAS». Nunca a combinação dos acordes de Ry Cooder, combinados com o Deserto, tinham conhecido rival na sugestão de uma mente torturada pelo Passado, como as cenas iniciais que se repercutem no silêncio de Stanton, cujas personagem e interpretação dominam a fita de princípio a fim. Depois é o encontro com o filho e o que considero o mais difícil de ser bem filmado, em qualquer circunstância: a conquista da confiança entre um homem e uma criança.
Até à viagem final, cumprindo a entrega que de ambos, em sentido diverso, ele tinha traçado o plano, indiferente, na aparência, ao vazio que provoca na vida dos irmãos a sonegação do miúdo, o qual deixa, por momentos, para atingir o ponto crucial da história.
Aquele em que a janela habitualmente odiosa se torna, de alguma forma, salvadora, aquando do diálogo travado da câmara para a pista de peep-show onde Travis reencontra a Mulher, sem que esta, a princípio, saiba ser ele o cliente. O arrepiante diálogo que se segue, cortando cerce a rotina que banalizaria, substituída pela recapitulação individual das cicatrizes que confere a individualidade, é o triunfo supremo da dor que persiste sobre aqueloutra que, pungente outrora, dera lugar a um conformismo medíocre. Por essa cena mítica, capaz de trazer lagrimas às pedras, sabemos que na devolução do filho estava todo o Bem de que era capaz alguém assombrado por uma chaga espiritual e afectiva, atiçada pelo remorso, mas consciente duma irrevogabilidade acrescida pela repulsa. Por isso - e pela reserva da solidão emergente para o protagonista - amo a obra de Wenders.
8 Comments:
At 9:57 AM, Anonymous said…
:)
Magnífico.
At 11:05 AM, José Leite said…
A já habitual qualidade, mestria e excelsa sabedoria! Um Óscar já para este blog!!!
At 11:54 AM, Paulo Cunha Porto said…
Obrigado.
Meu Caro Rouxinol de Bernardim:
É muito amável. Aproveito para Lhe dar as boas vindas a esta jaula, sendo certo que outro tanto - e com muito maior razão - se poderia dizer da Gaiola da Ilustre Ave que nos visitou.
Abraços.
At 4:08 PM, Paulo Cunha Porto said…
Mas nesse gosto mais da cidade e da música, não tanto do cinema.
Grande abraço.
At 7:28 PM, Anonymous said…
Pois é. Em "Viagem a Lisboa" o cinema passa muito de raspão. É apenas um pretexto para andar nos copos e no fado.
Muito longe de "Paris,Texas" (que bela sessão nocturna no Londres) ou de "As asas do Desejo".
At 8:28 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Luís:
Ah, o Londres! Era dos que frequentava mais!
Tudo se vai!
Das «Asas...» e do «Céu...», sua continuação, muitos dizem que é demasiada literatura para o cinema comportar. Não acho tal. Apesar de o ritmo, nas mais das vezes, ter importância incontornável para mim, a felicidade da fotografia e das tomadas, maximizada pela postura contemplativa e prescrutadora, só prejudicada pelo olhar das crianças, são, no que me toca, uma feliz concepção do que o olhar dos Anjos poderia ser.
Abraço.
At 10:45 AM, MySelf said…
Junto-me as voçês: tb é dos meus preferidos.
Beijinho
At 7:14 PM, Paulo Cunha Porto said…
Querida Luz Acesa:
Ainda bem! Os gostos esmerados encontram-se sempre, hihihihi!
Beijinho.
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