Marcello, com 2 ll
Já que foi esse o tema principal abordado no televisionado comentário, tenho de deixar aqui a minha muito negativa opinião sobre o político que foi Marcello Caetano. A ideia de «um homem bom e fraco que tinha querido operar mudanças necessárias, sem forças para o empreender» tem de ser aqui corrigida. A tal bondade talvez pudesse ter existido pessoalmente, porém a sua actuação pública foi sempre no sentido de preparar a substituição de Salazar por si, quer insinuando-se como Delfim junto de personagens como Craveiro Lopes que chegaram a propor a Salazar a consagração oficial do estatuto, quer defendendo o chuto para cima, para a Presidência da República, do Velho António, ocupando ele a Presidência no Conselho. Mas há mais, a prudente expectativa com que seguiu as tardias tentativas de derrrubamento do Chefe de Governo, a utilização da defesa da independêrncia universitária e a aparentemente ingénua "solução federal" para o Ultramar tinham todas em vista a criação de uma vida política própria que criasse as ilusões da dimensão de Estadista. A sua actuação como Reitor em Lisboa nunca procurou pôr em causa o regime que queria para si, visou, isso sim, rodear-se de auxiliares intelectualmente capazes e de fidelidade canina que, na Universidade como nos orgãos de informação, lhe facilitassem a ascensão, chegado o momento. E não creio que por um só instante haja acreditado que americanos e soviéticos, como os seus peões no terreno, se contentassem com uma retirada parcial, quando ambicionavam deitar a mão a tudo, o que seria prejudicado por qualquer continuidade da ligação a Portugal.
O principal problema de Caetano não foi ser «bom e fraco». Foi centrar o futuro político do País na sua ambição pessoal, esquecendo os princípios doutrinários em que se formara. E sabe-se que quem se olha demasiado ao espelho fica, muitas vezes, cego, mesmo que o vulto reflectido não emita grande dose de luz.
O principal problema de Caetano não foi ser «bom e fraco». Foi centrar o futuro político do País na sua ambição pessoal, esquecendo os princípios doutrinários em que se formara. E sabe-se que quem se olha demasiado ao espelho fica, muitas vezes, cego, mesmo que o vulto reflectido não emita grande dose de luz.
7 Comments:
At 11:40 AM, Anonymous said…
Caro Misantropo,
Certo é que se revelou a pior escolha como sucessor do António.
Reconheço-te alguma razão. Mas acho que estás a ser demasiado severo, carregando muito nas tintas.
Marcello foi um desastre a partir do momento em que chegou ao poder.
Mas não me parece que fossem más as intenções. E importa reconhecer, ao menos, o valor da Obra escrita.
O seu pior erro terá sido na apreciação da natureza humana. Quanto à apreciação dos outros, parece que soube reconhecer no fim da vida, mui amargamente.
Não sei se o soube em relação à sua própria natureza: susceptível, vulnerável à intriga e às manobras, de uma imensa credulidade quanto à nata dos seus pupilos - que ainda hoje temos de gramar, pesada herança...!
Observemos a maioria dos seus "filhos" políticos.
Por exemplo bem acabado, comparêmo-lo com o "adiantado mental" que lhe deve o nome (só com um éle).
Que imenso contraste
entre o Homem e o traste!
Que abismo até entre as sebentas de um e outro...!
Cada época tem o martelo que merece.
O Internauta Descerebrado
At 11:55 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Internauta Descerebrado:
Não tenho dúvida quanto à qualidade da obra, nem ponho em causa a do jurista. É o homem político que condeno, por ter renegado o seu ideal de juventude e pelo manobrismo que intentou, em proveito próprio, durante grande parte da vida. A falta de qualidade dos seus discípulos dilectos, neste específico âmbito, que muito bem referes, limitar-se-ia a ser o seguimento à letra das lições do mestre...
Abraço.
At 1:49 AM, Anonymous said…
Como escreveu, e bem, o Manuel Maria Múrias, era, sempre foi, nunca deixou de ser, «um hesitante». Já lhe ouvi gabar e demolir a obra universitária, mas como não sou de Direito, não me cabe a mim avaliá-la. Embora alguns do que a gabam digam cobras e lagartos dele politicamente. No resto, penso dele o pior possível. Mil vezes mil tivesse sucedido ao tio António o Franco Nogueira.
At 9:55 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Eurico:
O Sr. Embaixador teria sido excelente para a defesa do Ultramar, porém ignoro se saberia governar internamente o País e resistir à minagem da sociedade pelo PCP e ao descaro da ofensiva liberalizante, sendo ele próprio oriundo, ideologicamente, dos meios Republicanos liberais. Para mim, apesar das adstringências que causava dentro de algumas figuras menores do regime, tais Costas Brochados, só havia uma personalidade com preparação ideológica, técnica, experiência na governação interna e nas negociações externas: Pedro Teotónio Pereira. Mas a doença não tardaria a limitá-lo e, além disso, era, desde muito novo, amigo pessoal de Marcello, com quem chefiara a Juventude do Integralismo Lusitano e com quem nunca rompera, apesar de não integrar a respectiva clique.
Abraço.
At 12:57 PM, Anonymous said…
Concordo com o Eurico: Franco Nogueira seria a escolha mais acertada.
E não apenas por exclusão de partes: tinha todas as qualidades necessárias em abundante quantidade.
Claro que não sabemos se resultaria, ou em que resultaria. Tudo seria diferente. A História alternativa é uma contradição nos próprios termos.
Port-Royal
At 7:17 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caro Port-Royal:
Vejo-o, infelizmente, sem capacidade de aguentar a vertente interna. A de Salazar também estava mitigada, mas ainda tinha capital de prestígio mais do que suficiente para aguentar.
Abraço.
At 5:51 PM, Anonymous said…
Portugal, 1926: Chegou o Antonio
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