O Terceiro Homem
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Depois de Camilo e Laranjo, não consigo resistir a trazer-Vos uma terceira aquisição de ontem, na forma de um pequeno opúsculo recheado de boa doutrina, que vi pela primeira vez. De Alfredo Pimenta, leiamos pois este pequeno excerto:
«O sistema histórico da Nação portuguesa é a Monarquia, mas a Monarquia não liberal, não parlamentar, não constitucional e não democrática.
Os homens são, no fundo, todos semelhantes: criaturas de Deus, pecadores de origem. Se determinado sistema é propício ao desenvolvimento das suas más qualidades ou tendências - ai deles e ai de nós; serão instrumentos do Mal; e o que podiam fazer em benefício do Bem não encontra ambiente, ou clima, ou temperatura. Se outro sistema é caldo de cultura das boas qualidades do homem, elas desenvolver-se-ão, e as más qualidades são abafadas, não medram. Se é a função que faz o orgão, são os sistemas que revelam ou favorecem as boas ou más qualidades do homem.
O sistema monárquico constitucional era o sistema dos discursadores, dos tribunos, dos eloquentes - e não dos realizadores que, por via de regra, são silenciosos, ou por tímidos ou porque sentem repugnância pelos êxitos fúteis da oratória. Os realizadores, nesse sistema, tiveram de recorrer à ditadura.
O sistema republicano, que continuou aquele, é da mesma forma o sistema dos eloquentes, dos tribunos e dos discursadores. Os realizadores que a República deu acabaram com o Governo provisório. Conheci um, alta inteligência e nobre coração, que sobraçou a pasta do Fomento durante meses de interregno parlamentar. Trabalhou honradamente e bem. Nas vésperas de abrir o Parlamento, fez as malas e abalou para Paris. Dizia-me ele que não tinha cara para aturar as inépcias da oratória parlamentar, dos ignorantes atrevidos e insensatos. Chamava-se ele António Aurélio da Costa Ferreira.».
Substitua-se os «discursadores e eloquentes» pelos "donos de boa imagem televisiva" e não haverá grande coisa a mudar, no sentido da actualidade do texto. Vejo que errei no título do post: deveria ter escrito "O Certeiro Homem".
14 Comments:
At 4:05 PM, Paulo Cunha Porto said…
Obrigadíssimo, Caro Visconde. Não parece evidente que Pimenta pouco teria de mudar?
Ab.
At 5:59 PM, Anonymous said…
Isto é, realmente, a República dos Papagaios; ponha-se qualquer dos nossos políticos com "êxito" num palanque de qualquer feira, a vender banha de cobra, e terá um futuro garantido. Excelente análise que, infelizmente, ameaça tornar-se intemporal.
Zé
At 7:36 PM, Paulo Cunha Porto said…
Amigo Zé, também consiste nesse o meu desgosto. Se alguma coisa mudou, para melhor não foi, certamente. E o que subsiste de palavreado oco é sobejo motivo para nos entristecer.
Abraço apertado.
At 8:36 PM, Anonymous said…
Rua da Boa Vista
At 8:48 PM, Paulo Cunha Porto said…
Foi o «Velho da Montanha» que fez o último comentário? Hihihihihi.
At 10:18 PM, Anonymous said…
"O poder vicia e corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente"
At 7:45 AM, Paulo Cunha Porto said…
Que poder absoluto, Caro Anónimo?
O dos partidos? Certamente, não há fuga possível, porque é da sua essência quebrar as resistências individuais, inclusivamente a verticalidade incorruptível. O dos Homens? Depende do que cada um for, do que lhe tenha sido ensinado e da capacidade de se manter fiel aos ensinamentos.
At 6:22 PM, Anonymous said…
Nenhum partido tem poder absoluto, porque o sistema democrático implica "checks and balances", de modo a evitar o regresso à tirania, sofrida por Sócrates e prevista por Platão.
"verticalidade incorruptível"
São belas palavras, mas se o Paulo conhecer a lição de Salazar, saberá que por trás do "homem independente e livre de compromissos" está um manipulador hábil dos partidos, das vontades e das correntes.
"Depende do que cada um for, do que lhe tenha sido ensinado e da capacidade de se manter fiel aos ensinamentos."
Muito optimista, à espera dos salvadores das pátrias. Em todo o caso, sabendo nós que as ditaduras só sobrevivem graças ao extensivo apoio de significativas camadas das respectivas populações (deixemos as ilusões sobre o comando de uma minoria), talvez nem os próprios anti-democratas possam estar verdadeiramente em acordo consigo, nesse ponto...
At 7:12 PM, Paulo Cunha Porto said…
Lembro-Lhe que Sócrates e Platão foram justamente vítimas da tirania dos partidos, da qual eram adversários.
Salazar foi um manipulador hábil dos Homens e das ideias que tinham, como não poderia deixar de ser, pois não possuindo a condição de chefe militar, era impossível hostilizar o Exército para além do nível de domesticação que operou. Mas partidos é que não foi com ele. A União Nacional era uma fantochada a que ninguém ligava, ela prória se definia como "Associação Cívica" e estava bem longe de fornecer o pessoal governativo, que é a principal função partidária, após a conquista do poder. Lembro o diálogo Dele com Franco Nogueira, quando o convidou para MNE:
FN: - inteiramente de acordo com o Sr. Presidente na defesa do Ultramar, mas eu não sou da União Nacional.
OS: Ah! Nem seja, nem seja!
Não é espera alguma, embora um Salvador seja sempre uma possibilidade para qualquer Pátria. Umas vezes acontece, outras não. Mas é essa incerteza o sal da história. De qualquer forma, o que escrevi é apenas um reconhecimento mais da desigualdade dos Homens.
Ou os Democratas consigo... São múltiplas as formas de manutenção no Poder. E, na maior parte das vezes, as maiorias querem é que se não faça ondas. As excepções é que dão as crises e as tentativas de mudança de regimes, falhadas ou triunfantes.
At 6:32 PM, Anonymous said…
É evidente que Sócrates e Platão foram vítimas da tirania dos partidos. Sócrates testou a democracia até ao seu limite, que hoje está, graças ao seu exemplo, mais alargado - e apesar do aviso de Tocqueville sobre o eventual regresso à tirania.
O exército era a única... "facção" existente no "interior" do Estado Novo?...
Talvez não estejam. Mas só se o Paulo partir do princípio que os democratas defendem a superioridade moral da democracia. "A democracia é o pior dos regimes", não tenho dúvidas sobre isso, mas a questão, para mim, não é moral.
At 8:19 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caro Anónimo:
O Exército era a única amálgama de facções dentro do Estado Novo que Salazar tinha de contentar. Fora dele podia mandar, o que tornava tudo mais fácil.
Creio que a defesa da Democracia variará, conforme os Autores que lhe foram afectos. Eu sou contra ela por razões morais e funcionais, unitárias e essencialistas, de fidelidade e por a considerar, quer na sua pureza, quer na corrupção que é o que dela conhecemos, sempre um abuso de confiança, na medida em que identifica o voto com um cheque em branco.
Abraço.
At 6:33 PM, Anonymous said…
"Fora dele podia mandar, o que tornava tudo mais fácil."
Isso é falso e você sabe-o muito bem, desde a construção até ao final houve facções, grupelhos e interesses vários a preservar...
A democracia só é um voto em branco se o sistema, especificamente, o considerar como tal.
Como se não existisse corrupção nas tiranias, ou funcionassem melhor, ou mesmo - a tirania não fosse um gigantesco e vitalício cheque em branco ao Chefe...
É bom poder discutir este tema com o Paulo, que, ao contrário da maior parte dos bloggers anti-democracia portugueses, é claro, analítico e não demagógico nos seus argumentos. Abraço
At 7:49 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caro Anónimo;
Diz-me uma facção dentro do Estado Novo, fora do meio militar, com que Salazar tenha tido de contemporizar?
Corrupção no Salazrismo
Nunca dei por ela. E até Álvaro Cunhal, numa entrevista célebre, disse que Salazar e os seus eram «corruptos politicamente», mas que «o PCP nunca os tinha acusado de serem corruptos, pessoalmente». Instado a desenvolver, explicou que "corrupção política" era a traição de um governante à classe social donde provinha, numa lógica de luta das ditas. Mas, claro, o Salazarismo não era uma tirania.
O voto em branco existe, sim, nos sistemas não-demo-liberais de partido único, em que há relação directa das massas com o Chefe por mediação da oratória. Por isso me dei algures como anti-fascista, considerando, num certo sentido, o fascismo muito próximo do demo-liberalismo. Salazar,como se sabe, fugia das massas como o Demo da Cruz; e teve muita razão quem disse que a vocação dele era ter sido Ministro de um Rei Absoluto.
O prazer é recíproco. É sempre agradável uma conversa em que dois procuram a Verdade, sem que troquem hostilidades insignificantes.
Ab.
At 3:32 AM, Anonymous said…
«Substituimos a questão "quem deverá governar?" por outra: "como poderemos organizar as instituições políticas de forma a evitar que os governantes perniciosos ou incompetentes provoquem danos excessivos?»
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