O Efeito Multiplicador
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24 de Agosto é o dia em que se celebra Jorge Luís Borges, também para lá dos muitos anos que viveu. Tendo contactado bastante novo com a sua obra, logo o apelo irresistível do seu estilo, repleto de improváveis adjectivações, me seduziu para parcial de uma erudição que multiplicava os limites de uma vida humana, fosse pelos desdobramentos matemáticos inspirados em Cantor, pela ambígua repetição duma produção literária tão singular como o Quixote em contextos espacio-temporais diversos, ou a recorrente presença dos duplos e dos espelhos. Nele a leitura da «ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA» foi sempre um passo para a Arte, o que outros, como Huxley, não conseguiram, transformando-a num mero tópico de conversa condicionador. Sempre me interroguei em que medida a cegueira, surgida nele, em força, pela idade que hoje vou tendo, condicionou essa concentração do talento. Dir-me-ão que privando-o de outras distracções da vida, lhe facilitou essa aplicação. Mas quem senão ele, atingido por tal limitação, continuaria a canalizar o esforço para a leitura, a actividade em que os olhos intervêm, por definição? Soube tornear as dificuldades arranjando leitores e leitoras, o que, muito embora com estatuto instantaneamente transmissor do escrito, veio, no que lhe tocava, devolver a oralidade da recitação memorizada dos grandes poemas gregos ao seu consumo pessoal de literatura. Daí que tenha invocado a velha figura do Poeta Cego, Homero, Milton, entre outros exemplos, como modelos do que ele próprio personificava, insinuando sempre a Visão maior que os Antigos davam como presente em muitos invisuais. Por este amor ao redigido e ao saber guardado, bem como pela condição física que lhe trazia com mais facilidade o Distante, relativamente à Proximidade, lançou a célebre boutade que identificava Universo e Biblioteca. Na colecção criadora das redacções da História se aumentou operativamente, estendendo-se a espaços e tempos de outra forma interditos. Pela sua qualidade e pelos seus tiques & truques - que os tinha - conseguiu equivalente efeito sobre a minha curiosidade literária.
24 de Agosto é o dia em que se celebra Jorge Luís Borges, também para lá dos muitos anos que viveu. Tendo contactado bastante novo com a sua obra, logo o apelo irresistível do seu estilo, repleto de improváveis adjectivações, me seduziu para parcial de uma erudição que multiplicava os limites de uma vida humana, fosse pelos desdobramentos matemáticos inspirados em Cantor, pela ambígua repetição duma produção literária tão singular como o Quixote em contextos espacio-temporais diversos, ou a recorrente presença dos duplos e dos espelhos. Nele a leitura da «ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA» foi sempre um passo para a Arte, o que outros, como Huxley, não conseguiram, transformando-a num mero tópico de conversa condicionador. Sempre me interroguei em que medida a cegueira, surgida nele, em força, pela idade que hoje vou tendo, condicionou essa concentração do talento. Dir-me-ão que privando-o de outras distracções da vida, lhe facilitou essa aplicação. Mas quem senão ele, atingido por tal limitação, continuaria a canalizar o esforço para a leitura, a actividade em que os olhos intervêm, por definição? Soube tornear as dificuldades arranjando leitores e leitoras, o que, muito embora com estatuto instantaneamente transmissor do escrito, veio, no que lhe tocava, devolver a oralidade da recitação memorizada dos grandes poemas gregos ao seu consumo pessoal de literatura. Daí que tenha invocado a velha figura do Poeta Cego, Homero, Milton, entre outros exemplos, como modelos do que ele próprio personificava, insinuando sempre a Visão maior que os Antigos davam como presente em muitos invisuais. Por este amor ao redigido e ao saber guardado, bem como pela condição física que lhe trazia com mais facilidade o Distante, relativamente à Proximidade, lançou a célebre boutade que identificava Universo e Biblioteca. Na colecção criadora das redacções da História se aumentou operativamente, estendendo-se a espaços e tempos de outra forma interditos. Pela sua qualidade e pelos seus tiques & truques - que os tinha - conseguiu equivalente efeito sobre a minha curiosidade literária.
3 Comments:
At 12:52 PM, Mário Casa Nova Martins said…
OS BORGES
Bem pouco ou nada sei dos meus maiores
Portugueses, os Borges: vaga gente
Que prossegue em minha carne obscuramente,
Seus hábitos, rigores e temores.
Ténues como se não tivessem sido
E alheios aos trâmites da arte,
Indecifravelmente formam parte
Do tempo e da terra e do olvido.
Melhor assim. Cumprida a sua faina
São Portugal, são a famosa gente
Que forçou as muralhas do Oriente
E deu-se ao mar e ao outro mar de areia.
São o rei que no místico deserto
Se perdeu e o que jura que não está morto.
in, O FAZEDOR, pg. 99
At 10:14 PM, Manuel Nunes said…
É um autor que surpreendemos a todo o momento, inesperadamente até, em muitas das leituras que fazemos. Em Saramago, em “O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS”, com a fictícia obra “THE GOD OF THE LABYRINTH”, do não menos fictício Herbert Quain, cuja análise é feita em texto que faz parte de “O JARDIM DOS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM” recorrendo a esquemas matemáticos de ordem ternária e binária.
E no conto “A PROVA DOS PÁSSAROS”, de Lídia Jorge, onde se recupera o seu “Argumentum Ornithologicum” para fazer a prova da existência de Deus.
Relato um caso interessante: procurei recentemente na Biblioteca Nacional um opúsculo que contém as conferências feitas por Borges quando esteve em Portugal, além dos seus poemas da nostalgia portuguesa, a saber, “EL MAR”, “LOS BORGES” ( sobre os seus antepassados de Torre de Moncorvo), “ELEGIA” e “A LUIS DE CAMOENS”; pois este pequeno livro só pode ser consultado com uma autorização especial, visto fazer parte de um acervo denominado BIBLIOTECA CAMÕES, inacessível a qualquer simples mortal. No entanto, na Biblioteca Municipal do Palácio Galveias este livro é de livre consulta, se calhar até de empréstimo domiciliário.
At 8:12 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Visconde:
Por tudo, pelo mérito da própria escrita, pela notícia que dá da alheia, pela longevidade e pelo papel em que se investiu de "guardião do livro" encarnou bem a Literatura, no Século XX.
Meu Caro D.E.:
A Figura Única de Jorge Luís Borges saltou, por vezes até como personagem, para os livros de outros. Um caso célebre é o de Umberto Eco, mas, mais recentemente, também o de um livro interessante de Luís Fernando Veríssimo.
As dificuldades de acesso que me conta são deprimentes. Mas animemo-nos, pensando que a relativa inacessibilidade desse volume de textos dele lhe deveria agradar, podendo mesmo imaginar-se que escreveria sobre ela, na senda da visão da Biblioteca como território quase virgem a explorar e das dificuldades que opõe aos que a isso se aventuram.
Abraços.
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