A Neocracia na América
Os EUA celebram hoje o seu dia da Independência, o maior retrocesso civilizacional que o Mundo conheceu, volta a tempos anteriores rejeitados por uma experiência multissecular, ao prescindirem de um Rei. Tocqueville celebrizou a distinção entre as revoluções francesa e americana por esta última ter bases aristocráticas, enquanto que a europeia teria sido uma promoção do Terceiro Estado contra as elites tradicionais. O que sucede é que as "aristocracias" americanas possuíam em si ab initio o germe da contestação político-religiosa, pelo calvinismo enformador dos primeiros colonos, o qual presentíssimo na feitura da constituição perdura espiritualmente na ética nacional dos Estados Unidos, apesar de, numericamente, se encontrar em retracção. Seriam aristocracias por deterem poder, não eram Nobreza, por servirem o Poder. A fonte do seu poderio baseava-se em proventos materiais conquistados para realização própria, não em reconhecimento de méritos por um soberano a quem bem tivessem servido. Depois de entrarem em conflito uma com a outra, a mais dinâmica, a dos empresários, levou de vencida a dos plantadores. E este triunfo dos comerciantes e industriais Yanks haveria de estabelecer, até hoje, o ideal de qualquer americano - tornar-se milionário. Ser milionário é, naquela Nação, um pergaminho próprio para o exercício de cargos públicos, mesmo que inexista experiência política ou pensamento conhecido sobre o tema. Dir-se-á que é assim hoje, por o dinheiro permitir comprar publicidade televisiva. Mas já o era antes da televisão.
Por outro lado, o calvinismo, ao eliminar o valor das obras como critério para a Salvação, criou o espírito ideal ao indiferentismo das acções nacionais em política externa, já que não havendo vizinhos respeitados para exercerem a vigilância confirmativa da possibilidade do que já decidido estava, a mitologia erguida em torno da bondade da América tudo justifica. Primeiro, restringindo a sua coutada ao Novo Mundo. Depois alargando a sua presença, pelo intervencionismo, a todo o Planeta.
Tanto na mitificação do País, como na popularidade do homem de negócios bem sucedido contra os políticos experientes, como ainda no eclipse crítico com que embarca em aventuras, é a consagração do novo que marca esta Federação. Mas também há-de envelhecer.
14 Comments:
At 12:56 PM, L. Rodrigues said…
O envelhecimento precoce já se nota, como uma planta morre por ter demasiada água. É claro que não partilho as suas ideias sobre o que legitima o poder e a aristocracia, mas subscrevo inteiramente esta análise da psique americana.
At 2:03 PM, Anonymous said…
Las Monarquías también tienen sus "handicaps"......
At 3:14 PM, vs said…
A psique americana at~´e pode ser esta....mas no resto estou em desacordo com o Paulo.
Envelhecer?
Claro que sim.
Tudo envelhece: os animais, as plantas, o Homem, mas eu não diria que as nações 'envelhecem', eu diria que se transformam.
"...o maior retrocesso civilizacional que o Mundo conheceu..."
Não sei porquê.
A 'Declaração de Independência' é um notável documento que contem valores com os quais estou inteiramente de acordo.
Não esquecer que Roma, também ela, foi uma República.
At 6:50 PM, Anonymous said…
Excelente, como sempre, Caríssimo Misantropo. E plenamente de acordo consigo.
Um abraço.
At 6:52 PM, Paulo Cunha Porto said…
Paciência, Caro L. Rodrigues, não se pode concordar em tudo. Mas vou tentar melhorar a fundamentação, pois seria grande alegria receber um Espítito da Envergadura do Seu no Bom Lado.
Caro Amigo:
No sentido de vantagem, todos. No mais distorcido, que é o seu contrário, não vejo.
Meu Caro Nelson:
Pois, Roma foi uma república e veja no que deu. Tantas foram as lutas intestinas que aguentaram séculos da pior das autocracias, desde que se não voltasse ao mesmo.
O «documento notável» estabelece um sistema baseado na competição e sem obediência a uma instância suprema vitalícia, dois horrores que não posso senão condenar, por transferirem para a contingência a força comunitária que deveria ter uma vitalidade funcional e apartidária perene.
Quanto ao envelhecimento, só queria alertar para que preparemos a idade pós-americana. Claro que nada disto me fará alguma vez alinhar com os inimigos do Ocidente contra os Estados Unidos. Não sendo crível que em minha vida voltem os estados da União a ser súbditos da Coroa Inglesa, gostaria de ver um equilíbrio na aliança com os Europeus que, de momento, não existe, bem como uma absoluta não-ingerência no nosso Continente.
Abraços aos Três.
Obrigado, Caríssimo Carlos Portugal.
At 7:41 PM, Anonymous said…
A globalização vai no mesmo sentido e nem o hibridismo chinês foge muito à matriz: inovação, desenvolvimento, competição, crescimento, são as palavras de ordem, independentemente dos sistemas políticos. Numa análise objectiva, não se vislumbra qualquer vantagem no sistema republicano, já que as figuras de topo, Reis ou Presidentes da República, estão quase reduzidos à condição de símbolos e os primeiros, ao menos, poupam as populações ao espectáculo, caro e incómodo, de uma eleição.
At 8:10 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caro e Portuguesíssimo SA:
Com efeito, penso que se deveria pensar duas vezes por que razão os EUA insistem tanto para a Europa se federalizar, quando a unidade europeia pareceria naturalmente ser propícia a outras opções. Claro que imitar o Amigo Americano dará bota, por não haver, quanto à Europa, mística comparável com a que se inventou para a obra de arte do Almirante Colombo, até pelas Histórias várias, inimigas do criacionismo que prospera no vazio.
Caro Anónimo:
Tem muita razão, até porque na China o sistema económico é de um concorrencialismo extremo. Que importa que a fachada governamental seja reportada ao comunismo? Não eram os marxistas que garantiam ser a estrutura o importante? No que lhes toca há que confiar na palavra respectiva...
At 11:12 PM, Anonymous said…
Caro SA:
Tem toda a razão quando fala no que está impresso nas notas de dólar, para além do «delta luminoso» maçónico, no cimo da pirâmide. Só que a sigla não é propriamente «Novos Ordo Mundi», mas sim «Novus Ordo Seclorum», o que é um pouco pior, já que indicia uma «nova ordem secular», ou seja, sem Deus.
Sendo as verdadeiras monarquias (também há as de fazer de conta) um reflexo terreno «do que está em Cima», da Ordem Divina, portanto, a sigla do dólar assume-se como oposta a todo e qualquer ideal superior, apenas se guiando pelas «luzes» bruxuleantes do «Iluminismo» ateu; quase que a querer insinuar que «este (o dinheiro) é o teu deus».
Uma tristeza, que pouco tem a ver com as «teorias da conspiração», pois estas deixam de ser teorias quando há factos que as transformam em possibilidades...
Um abraço.
At 2:12 AM, Eurico de Barros said…
Mil vezes os «founding fathers» e a Revolução Americana, do que a Revolução Francesa. E nunca, mas nunca o Washington com pretensões a imperador. A Revolução Americana é feita - e bem! - contra um rei inglês iníquo. «Down with the red coats!»
At 8:18 AM, Paulo Cunha Porto said…
A única coisa com que concordo, Caro Eurico, é que a Revolução Americana é muito menos hedionda do que a francesa. Quanto aos resultados são igualmente maus. Nem falo já da inconsciência com que se impõem militar e economicamente ao Mundo. Basta o contágio das sucessivas gerações pelos muitos defeitos deles, sem que outro tanto aconteça com as qualidades.
Provocação suprema: por essas e por outras é que o futebol - o nosso - vai sendo um factor cultural de resistência.
Abraço.
At 12:30 PM, Anonymous said…
Em suma: muita falta de chá.
Pois se em vez de o beberem às colherzinhas, logo em pequeninos, atiraram fardos dele à água...!
O Internauta Descerebrado
At 5:01 PM, Anonymous said…
Realmente, caro Internauta, o «Boston Tea Party» foi um acontecimento curioso... Ainda por cima cobarde, pois os perpetrantes disfarçaram-se de índios para atirar as culpas aos desgraçados dos indígenas...
Por mais razões que tivessem quanto ao imposto britânico sobre o chá, perderam-nas com este travestismo vergonhoso.
Foi talvez o início das «false flags», em que eles se tornaram peritos...
At 5:57 PM, Anonymous said…
Bingo!
Rafael Castela Santos
At 6:32 PM, Paulo Cunha Porto said…
O Rafael já disse tudo, quanto à notável observação do Carlos Portugal. Quanto ao episódio detonador, tem sido muito embelezado. Para equilibrar um pouco, sugiro o «TAXATION IS NO TIRANY», de Samuel Johnson, embora esteja longe de aderir a todos os argumentos nele esgrimidos.
Abraços aos Três.
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