Do Infortúnio Pedagógico
Muito difundida está a percepção de que o ensino do liceu do Estado Novo oferecia um nível de conhecimentos muito superior ao do regime hoje vigente. No plano das línguas, sobretudo, a constatação ganha relevo, por a menor exigência do domínio das conjugações, das funções dos diversos termos e do estudo dos "clássicos", obstar a uma blindagem contra o bombardeamento dos idiomas estrangeiros, principalmente do todo-poderoso inglês. Sequelas de preferências dadas a modalidades comprensivas em vez de ao puro e duro trio "sujeito-predicado-complemento directo" substiuíram as denominações, nada fazendo ganhar. Mas também no campo da História: a preocupação de transcender a compreensão dela pela simples recitação dos feitos dos Grandes Homens levou a tédios monumentais, repelentes dos alunos, ao tentar impingir a compreensão das estruturas económicas, sem a prévia revelação dos pontos de referência individuais que as sustentassem. Aluno que também fui da escola oficial pós-abrilina, ainda recordo condiscípulos suando as estopinhas para decorarem duas páginas de definições sobre Kitchins e Kondratieffs, sem ao menos saberem se D. Afonso V tinha precedido D. Dinis, ou reinado bastantes anos depois dele. A razão estava nas antecipações reactivas que os universitários dos anos 1960´s queriam estabelecer; como que trouxeram para os alicerces os elementos que deveriam constituir o telhado.
Mas tudo isto não é novo. Veio-me à lembrança quando lia «O ELOGIO DA IGNORÂNCIA», de Abel Bonnard, onde, investindo contra o pedantismo da ostentação e imposição de um saber pseudo-científico, censura aqueles que «insuflam a filosofia da história a uns fedelhos que não sabem a sequência dos Reis de França».
Vale a pena fruir outro passo:
«Tudo o que toca à filosofia da história, ao desenvolvimento geral da humanidade, não é susceptível de ser reduzido a um ensino elementar. Não se pode chegar a grandes visões, senão dominando todos os conhecimentos que a elas conduzem. Tratar estes assuntos diante de pessoas sem cultura é abusar da sua ignorância para lhes impor umas quantas ideias que elas transformam em crenças, na incapacidade que têm de as criticar e verificar. É a isto que se chama emancipar os espíritos? É, sim reduzi-los à servidão. Aqueles que outrora ensinavam a juventude não eram doutores profundos. Mas, tendo penetrado, mais ou menos, nas ciências, eles comunicavam, sem preconceitos, os primeiros princípios.».
E estava tudo dito.
7 Comments:
At 10:32 PM, Anonymous said…
Pertinente reflexão, caro amigo. Explica muito bem a desgraça que por aí se vê: um ror de mentes amorfas papagueando altas doutrinas muito do politicamente correcto (odeio esta expressão), sem conseguir sequer alinhar duas pedrinhas de sabedoria elementar. Cumpts.
At 10:38 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caro Bic Laranja:
caso para dizer que o Fórmula Um do ensino se equeceu de que precisa de rodas para correr.
Abraço.
At 11:38 PM, Flávio Santos said…
Mas a servidão (sinónimo de incapacidade de possuir autonomia de pensamento) não é o objectivo último da educação democrática?
E, para escrever em bom Português, vê lá se acabas com esta m.... da "word verification"!
At 3:30 AM, Mendo Ramires said…
Brilhante.
At 6:59 AM, Paulo Cunha Porto said…
Caríssimo FSantos:
mal acabes com a droga do "spam", ou lixo, para não desandar da nossa língua. E sim, a educação demo-liberal permaneceu fiel, desde a instituição até hoje, ao objectivo de aplainar a liberdade individual expressa no sentido crítico. Noutro passo, Bonnard fala dessa deseducação de invejosos, que tenta fazer passar a ideia de que o excepcional não existe.
Obrigado, Mendo Amigo. A prosa do Bonnard era notável, realmente.
Abraços aos Dois.
At 10:48 AM, Anonymous said…
"...muito do politicamente correcto (odeio esta expressão), (...)"
Já somos dois...
At 7:30 PM, Paulo Cunha Porto said…
Não é agradável, pelo uso a torto e direito, Caríssimo. Mas lá que é definidora...
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