O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Monday, April 10, 2006

Leitura Matinal -322

O sal que dá sabor às imersões nas águas revoltas da vida é também
aquele que, a prazo, curte a pele, nela deixando gravado o Passado de travessias, com as acostagens e recomeços que fazem uma biografia. Da presença que fica entranhada num protagonista de tantas navegações nada resta da força, quando, por fim, a Terra atinge a vitória final. Não havendo já por onde continuar embarques promissores de destinos
novos, a condição desprovida de olhares para um futuro que seria o desejo volta-se agora para a canção dos feitos e das desfeitas que lhe foram trazidas pelos oceanos, qual portador de outras cicatrizes, o louco que se entretém a debitar palavreado que só para si faz sentido, relegado-se para um diálogo com a costeira rebentação que o vai
assimilando ao petiz entretido em brincar, inofensivamente, com as recordações, as mesmas que para outros foram o cerne da existência. Será sempre na concretização dos versos que o Homem encontrará paz, ao contemplar o que, sem eles, lhe poderia trazer desgosto. Que nas vias solitárias imaginar-se interesse de um público é a herança natural de quem numa vida inteira identificou com a força motriz de um avanço desacompanhado o cumprimento da sua parte. Sendo talvez a única forma de não definhar face ao surgimento de uma nova estação.
De João Afonso:

DE NOVO A SOLIDÃO

1. SOLIDÃO

Eu, marinheiro, me confesso ao mar
eu, marinheiro, me lamento ao vento;
Ai, meu blusão feito de fúrias,
abraço dado ao peito, nas procelas,
rasga-te em pedaços no momento
em que eu voltar ao mar salgado
pra viver.

2. POETA-LOUCO

Ao litoral, de mim cansado
atei o meu vaivém de estrelas
a todas as rotas das derrotas
e portos que vivi.

Os longes tempos revolvi
e perto eu tudo tive:
o sal de todo o mar que outrora abri,
sonho total de uma prenhe-mar.

Tudo, tudo quebrado e sem esperança:
âncoras ferrujentas sem lembrança
da minha pele de musgos, algas e sal,
em corpo tatuado e ritual!

Agora, Poeta, agora, enfim,
a hora do lirismo...
Agora Poeta posso ser, eu ser, no fim,
de novo uma criança
brincando junto ao mar e a conversar
com ondas e com vagas
que tragou!


Banhado por «Poeta», numa das variações de Krawczyk,
«Louco», de Andrew Jones e «Â Beira Mar», de Maxime
Maufra.

1 Comments:

  • At 9:34 AM, Anonymous Anonymous said…

    Sinto muito a falta do ombro amigo que em tempos conheci, de partilhar tudo, e sentir compreensão, é doloroso perder a amizade, porque sei, foi sincera.

     

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