O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Sunday, April 09, 2006

Leitura Matinal -321

Quando a prostração sem reacção ou agudez canta mais alto, na
sequência de um fim do elo que se pretendia unilateralmente único, dentro do par, alastra a tendência de se estender tal singularidade ao universo, recusando a mais alguém intensidade de vivência amorosa aproximável da que se experimentou. É então que se garante que o que dói não é a súbita privação do Amado, mas sim a do Amar. Truque barato e realidade íntima e lacerante, ao mesmo tempo.
Realçar a pequenez da reciprocidade já não é o moderado sofrimento a que a discrepância na reciprocidade induz. Passa a ser o pretexto para o engrandecimento da estatura do afecto nutrido, o qual incha em tais proporções que preenche totalmente o espaço, não consentindo um canto, ou nicho apto a ser ocupado por qualquer outro.
É o contentamento com a ideia de um Passado passional hiperbólico que se apresta a cultuar-se e banir a continuidade ou transferência que estariam presentes na direcção das suas forças para o Ente em vias de perder-se, ou para o que o substituísse, respectivamente. Uma forma de amor-próprio, menos grosseira do que a que preza a imagem do que se julga, ao eleger como objecto aquilo de que se pensa ter sido capaz.
De Fausto Guedes Teixeira

MAL SEM REMÉDIO

Tu vais partir, eu sinto-me indiferente
E essa indiferença enche-me de dôr.
Tens tu saudades, como toda a gente,
Eu nem mesmo o conforto de o supor.

Mas o que mais aumenta o amargor
Da vida que hoje vivo inutilmente
É ver findo este amor, sem que outro amor
Eu queira que me iluda e me acalente.

Foi-se-me o sonho vão que me sustinha!
Nas almas não ha nada do que eu penso
Que Deus lá pôs e que eu achei na minha.

Para que foi que te diminuiste
Se desde o início deste amor imenso
Tu eras tão pouco e eu já tão triste.


Guardado à vista por
«Reclinado, Reduzido à Indiferença», de Nick Biagini,
«Dor», de Marie Gottini e «Amargura», de Max Beckmann.

3 Comments:

  • At 12:26 PM, Anonymous Anonymous said…

    Hoje foi uma Leitura Matinal amarga, mas bela.
    Há sempre remédio, tem de o deixar aparecer.

    (agradeço a hora e a honra desta Leitura)

     
  • At 10:45 PM, Blogger Viajante said…

    Ora aí está... uma dedução espantosa! E escudante - porque se coloca atrás de escudo :) - pois que quem se recusa pelo passado, pode realmente estar a auto-enganar-se. E a privação auto-inflingida decorre de uma homenagem tão pretextual e enganosa que aflige.
    Amor próprio, sim, tendes razão. E de Si próprio no passado - ainda que tenha sido uma passado felicíssimo.
    Só que, engrandecer o passado, na dimensão afectiva, traz um crescer-se e um compromisso de futuro a viver... ou então, realmente, esse passado teria valido pouco, no que mais importa. Céus... espero não estar a exagerar - como sempre, escrevo pensando. Perdoai, se fôr excessivo.

    beijos, de alegria, claro.

     
  • At 10:16 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Nada de Vós vindo é excessivo, oh Viajante! Tudo é sorvido até à última gota. Sabeis, um dia um amigo do grande Samuel Johnson - o Dr. Johnson - como ficou conhecido nas letras, censurou a uma amizade comum o ter contraído novo casamento logo após a morte da Mulher. Ao que o grande literato respondeu:
    «Sir, pelo contrário, é a maior homenagem que lhe pode fazer, significa que tendo sido muito feliz no casamento, está desejoso de retomar a experiência»...
    Claro que este entendimento obrigaria a preencher o lugar do Único por um Universal nos relacionamentos, ao menos em termos hipotéticos, tema sobre o qual Schlegel escreveu belas mas confusas páginas em «Lucinda». Conheceis? Devíeis, hihihihihi!
    Mas sim, a dilaceração construída do poema cheira a estratagema para encobrir a proeminência do "Eu" que se encontra na felicidade, ou no sofrimento assumidamente direccionado, com mais lealdade.
    Beijo.

     

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