Leitura Matinal -146
Diziam os Gregos antigos do sono, como, de resto, do orgasmo,
que era a «pequena morte». Porque perdido o consciente uso
do pensamento, a inclinação perante o sonho triunfante era
algo que lhes causava repugnância. Mas que dizer de uma
presença junto a nós, não necessariamente o duplo, que rompe
as peias do onírico e permanece, intrigando-nos, ameaçadora,
durante todo o tempo dos nossos dias? A incomodidade de uma
companhia que não se requereu nem conquistou, cuja opção
pelo incógnito é extremamente capaz de nos atormentar, tão
permanentemente que arrase todos os restantes polos de
interesse. Mas há que ser cauteloso. O gesto temerário de
interrogar e afrontar essa persistente sombra pode, ao ver
satisfeito o desejo incontido da revelação da identidade, ser
fatal.
Do Conde de Monsaraz,
NOCTURNO
Maldita sejas tu, mulher, entre as mulheres!
Quero saber quem és, donde vens e o que queres.
Tu surges-me através de escuros pesadelos,
Suplicante, a chorar, esparsos os cabelos,
Quando aflito, cansado, eu sinto no meu leito,
Invadindo-me a alma e esmagando-me o peito,
As solidões da treva e o peso das montanhas.
Quero saber quem és, visão que me acompanhas,
Lírio mirrado e frio a espalhar no meu sono,
Por entre os matagais e os cardos do abandono,
O cheiro que se esvai das podridões desfeitas.
Quem és tu? quem és tu, que, sôfrega, me espreitas
Dentre sombras e vens com os lábios gelados
Beijar-me, enquanto durmo, os olhos apagados,
Contar-me as pulsações, abraçar-me ao de leve,
Caindo sobre mim como um lençol de neve,
A ponto de sentir num rápido momento
Parar o coração, fugir o pensamento
E, náufrago, a boiar em turbilhões revoltos,
Sumir-se no escarcéu dos teus cabelos soltos?
Quem és tu? quem és tu?... Sou destemido e forte
E nada me apavora...
- Amigo, eu sou a morte!
que era a «pequena morte». Porque perdido o consciente uso
do pensamento, a inclinação perante o sonho triunfante era
algo que lhes causava repugnância. Mas que dizer de uma
presença junto a nós, não necessariamente o duplo, que rompe
as peias do onírico e permanece, intrigando-nos, ameaçadora,
durante todo o tempo dos nossos dias? A incomodidade de uma
companhia que não se requereu nem conquistou, cuja opção
pelo incógnito é extremamente capaz de nos atormentar, tão
permanentemente que arrase todos os restantes polos de
interesse. Mas há que ser cauteloso. O gesto temerário de
interrogar e afrontar essa persistente sombra pode, ao ver
satisfeito o desejo incontido da revelação da identidade, ser
fatal.
Do Conde de Monsaraz,
NOCTURNO
Maldita sejas tu, mulher, entre as mulheres!
Quero saber quem és, donde vens e o que queres.
Tu surges-me através de escuros pesadelos,
Suplicante, a chorar, esparsos os cabelos,
Quando aflito, cansado, eu sinto no meu leito,
Invadindo-me a alma e esmagando-me o peito,
As solidões da treva e o peso das montanhas.
Quero saber quem és, visão que me acompanhas,
Lírio mirrado e frio a espalhar no meu sono,
Por entre os matagais e os cardos do abandono,
O cheiro que se esvai das podridões desfeitas.
Quem és tu? quem és tu, que, sôfrega, me espreitas
Dentre sombras e vens com os lábios gelados
Beijar-me, enquanto durmo, os olhos apagados,
Contar-me as pulsações, abraçar-me ao de leve,
Caindo sobre mim como um lençol de neve,
A ponto de sentir num rápido momento
Parar o coração, fugir o pensamento
E, náufrago, a boiar em turbilhões revoltos,
Sumir-se no escarcéu dos teus cabelos soltos?
Quem és tu? quem és tu?... Sou destemido e forte
E nada me apavora...
- Amigo, eu sou a morte!
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