Ilustração da Vaia
Leitura de um estudo de E. Rodocanachi sobre os assobios no Teatro. Lancei-me nele, pensando na prática nos estádios de futebol, que foi buscar à cena a sua progenitura. Tem raízes tão remotas como na Grécia Antiga, em que era a expressão moderada do descontentamento do público com as interpretações medíocres da Tragédia, cabendo às pedras arremessadas e aos punhos a sua manifestação mais intensa. Não se pense porém que tal exagero na reacção era determinado pela sacralidade da representação, pois ela estava presente no palco medieval, que, contudo, foi o único período em que se ignorou o assobio. No caso francês, quando a actuação era muito má, ele era substituído por queixas dos espectadores aos Parlamentos, num período em que para alguma coisa serviam, os quais ordenavam que os actores incompetentes tomassem lições de dicção e de postura. Tempos de Caridade e compaixão, apesar dos pesares. Mas, voltando ao Mundo Helénico, é célebre o terror de Hegelocus, narrado por Aristófanes em «AS RÃS», vendo-se feito, por ter incorrectamente pronunciado a tónica de uma palavra da Oresteia, transformando assim a "acalmia" que sucede à tempestade em "gato". Conclui-se pois pela falta de desportivismo do público, incapaz de compreender como uma bucha, mesmo involuntária, pode melhorar um texto. Mas, pormenor fundamental, a desaprovação era tanto maior quanto o assobio era mais agudo, ao contrário dos dias de hoje, em que o critério é o volume. A diferença entre uma época que privilegia a qualidade e uma que elege a quantidade. Já na dura Roma, os assobios eram prefácio e, quando generalizados, causa do açoite com varas, pelos lictores.
Mas é preciso chegarmos ao Século XVII para vermos o triste panorama de claques encomendadas pelos diversos autores ou pelos seus protectores, com destaque para Racine, lesado por esse lamentável hábito mas, igualmente, dele promotor, ao ponto de uma vítima sua, Boyer, ter feito representar, sob nome falso uma peça, sendo que, quando a plateia rompeu em aplausos, se levantou, proferindo: «E, no entanto, ela é de Boyer, apesar de M. Racine». Foi nessa época que quem acorria começou a reivindicar tão peculiar insulto como direito seu e os profissionais do tablado a adular quem assim os podia julgar.
Não há, pois, que admirar-nos do que deu.
4 Comments:
At 1:57 PM, Anonymous said…
Dicho castizo: No te enrolles, Charles Boyer.....
At 7:04 PM, Paulo Cunha Porto said…
Uma grande Figura e um mártir do Amor!
Abraço.
At 11:18 AM, Anonymous said…
Muito instrutivo. Grato pela partilha. Cumpts.
At 12:23 PM, Paulo Cunha Porto said…
Obrigado, Caro Bic. Se conseguíssemos que todos os asobiadores militantes e juramentados lessem este pobre "post" antes de soprarem, talvez deixassem passar a ocasião do protesto e menos gente saísse magoada.
Abraço.
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