O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Tuesday, April 25, 2006

Luto Carregado

Há trinta e dois anos resolveram uns militares, ciosos das suas regalias e desejosos de prescindir dos sacrifícios que as legitimavam, mudar a forma do País. Digo a forma, que o espírito tinha-se alienado, desde 1968. Quiseram fazer de Portugal uma imitação dos outros, pois têm das costas uma concepção de receptáculo de palmadinhas e não de coisas para se ter direitas. Esquecem que, nos momentos de crise, as pancadinhas amistosas para jornalista ver se podem transformar em pauladas.
Apregoaram a liberdade. E deram-na, aos atrevidos, como aumentaram a impunidade e ausência de repressão do criminoso comum. Substituíram assim um Estado em que os fora-da-lei não tinham à vontade, por outro em que as Pessoas Honestas vivem aflitas. Deram cabo da vida da Província e da tranquilidade, pondo em seu lugar a constante mutação e os traumas depressivos da vida metropolitana. O consumismo e a vida a crédito imperam, fingindo-se não reparar que o excesso e o que assenta no ar eliminam o gosto e a credibilidade.
A referência deixou de ser a Bandeira Nacional, salvo no Desporto. Por isso vou gostando um pouco mais dele que do resto. Das bandeiras multi-coloridas das facções em que cada um se inscreve, em vez de se querer adstrito ao Todo Nacional, nada tenho a dizer, porque nada me dizem. Falaram contra o «respeitinho», que era a única forma de Respeito que muita gente conhece. Agora não se queixem.
Por andarem a mando dos americanos e de Bruxelas, não merecem o nome que se inventaram de «Revolução dos Cravos», mas antes de Revolução dos Escravos. Aliás, essa floração do golpe - de estado e de baixo que foi -, é cópia descarada do 28 de Maio de 1926, em que os Soldados colocaram cravos brancos na boca das armas, por se estar a desenrolar um importante congresso Mariano. Os cravos de 1974 tiveram pois, apenas o trabalho de se tingir de vermelho. Do sangue das vítimas da "descolonização exemplar", decerto.

23 Comments:

  • At 1:41 PM, Blogger Sandokan said…

    Caro Misantropo, estive uns tempos arredado destas lides, mas sempre que podia vinha deitar aqui um olho a esta incontornável Enciclopédia. Com amizade, acompanho-o neste luto, embora tenha a sorte de "apenas" viver os resquícios desse dia trágico! Um abraço,

    AVC

     
  • At 1:41 PM, Anonymous Anonymous said…

    Obrigada, muito obrigada por este post.
    "Deram cabo da vida da Província e da tranquilidade, pondo em seu lugar a constante mutação e os traumas depressivos da vida metropolitana."
    Diz tudo.
    Aliás,diz tudo o que eu gostaria de dizer/escrever, mas falta-me a arte literária aqui bem expressa.

    De alguém que o conhece.MM

     
  • At 4:59 PM, Blogger vs said…

    Tem razão...e não tem.
    Explico.

    Alguns dos problemas que o Paulo diagnostica são reais e a verdade é que as coisas poderiam (e deveriam) ter-se passado de forma muito diferente.
    Em Espanha houve Homens capazes de a fazer....por cá, foi o que se viu.

    Quanto ao famigerado Estado Novo vamos ser práticos: estava acabado.
    Um regime baseado na mediocridade, numa mentalidade ensimesmada, na utópica e anacrónica 'pax ruris', no sub-desenvolvimento da 'casinha portuguesa' e todas as demais 'traquitanas' não deixa quaisquer saudades e compreendo perfeitamente que não deixe.
    Além do mais, é preciso reconhecer que não havia qualquer hipótese de continuidade de um regime daqueles nesta época histórica.

    Acontece que,infelizmente e de certa forma, o novo regim não cortou definitivamente com o anterior.
    A mediocridade, a tacanhez, a cuscuvilhice, o espírito 'bufo', a invejazinha rasteira erguida em estalão geral de valor*...tudo se mantem...o que não admira.
    É preciso SACUDIR esta canga de uma vez por todas.

    Se calhar, já faltou mais.




    *tudo isto já existia, mas a I República e o Estado Novo sistematizaram estas características como ideário contagiando a 'petite democratie' em que vivemos desde Novembro de 1975.

     
  • At 5:09 PM, Anonymous Anonymous said…

    Belo texto, caro Porto. O sangue das vítimas da «debandada» africana (palavras de António José Saraiva e não de algum «fascista» ressabiado) é sempre omitido nesta data infausta.

     
  • At 6:44 PM, Anonymous Anonymous said…

    Pois é, Paulo, dizes bem: o "espírito" tinha-se ido há muito, e os que ficaram não souberam (ou não quiseram, ou não tiveram coragem de) suceder-lhe...e foi o que se viu! No fundo, nada de muito novo na nossa História: somos um povo que nunca soube merecer os (poucos) líderes que tivemos...

    Para mim, o próprio Salazar já há muito tinha desistido de tentar "endireitar" o país (daí o lento declínio do regime). Curiosamente, foi a (impropriamente chamada) "guerra colonial" que lhe deu um último alento para tentar fazer ver aos Portugueses que ainda podíamos ser um País, mesmo "orgulhosamente sós" (outra lenda: nunca estivemos totalmente sós, simplesmente os que nos apoiavam não o queriam/podiam dizer publicamente...). Falhou...e com ele acabou uma Ideia de Portugal.

    Hoje, continuamos pobres e ignorantes, é certo, mas já não estamos orgulhosamente sós! Ou melhor, estamos sós, no atraso que levamos do resto da Europa, e que se aprofunda cada vez mais, mas isso não é razão nenhuma para nos orgulharmos...

    Abraço
    T

     
  • At 6:52 PM, Blogger Jansenista said…

    Não percebo porque é que se comemora entre nós om tanto alarido o dia ANZAC, a celebrar o desembarque em Gallipoli. Talvez alguém me possa esclarecer...

     
  • At 7:24 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro Sandokan:
    Quem é Vivo sempre aparece! Estava cheio de saudades de O ver por cá, como nas «curtas...», onde vem intervindo menos, deixando o encargo de postar aos Seus Colegas.
    Quanto ao objecto da tristeza, livrou-Se de boa. Mas, com a Sua cultura, acabou por apreender de outra forma a tristeza de uma Pátria que foi.

    MM:
    Obrigado sou eu por palavras tão gentis. A mudança abrupta que se deu na valorização e desvalorização dos centros de residência, segundo a dimensão respectiva, parecem ser aspecto tremendo a ter em conta no mal-estar que ensombra o nosso equilíbrio espiritual, na medida em que criou monstuosos aglomerados urbanos que agridem de "per se" e com todos os problemas que arrastam.
    Gostaria de ter uma pista sobre a identidade. Talvez pela tristeza de hoje, não consegui descodificar as iniciais.

    Querida Maria:
    Muito obrigado. Se vergonha houvesse, quer os revolucionários de Abril, quer os receptadores que com o crime deles se locupletaram, deveriam morrer de vergonha. Mas tal arrependimento seria demasiada honra para tal gente...

    Meu Caro Nelson:
    o Estado Novo estava acabado desde que as suas próprias figuras cimeiras deixaram de nele acreditar, o que aconteceu com Marcello Caetano, por exemplo.
    Sem lutar é impossível ganhar um combate político. Lutando poderá ser ganho. Não existe coisa como determinismo histórico, salvo na medida em que o padrão dominante impressione o espírito dos homens.
    Salazar ligava-lhe menos do que eu a um mosquito.
    E quanto lamento o desvanecimento da "pax ruris" daquele tempo, substituída pelas metrópoles de segunda em que a mediocridade, para se não ver solitária, se alia à maldade!

    Meu Caro Eurico:
    E quando penso nos que foram mortos, para já não falar de tantas Vítimas de outro tipo, muitos deles ex-combatentes, penso em como se sentirão os Doutores Frankensteins abrileiros, perante a ideia do assassínio dos seus ex-camaradas.
    Mas claro que é esperar demais acreditar que se dignam pensar em tal, por breves momentos que seja.

    Meu Caro TSantos: Salazar fez até ao fim a Sua parte. Mas claro que conhecia demasiado bem os homens para acreditar que tivessem emenda. Quer os inimigos, quer os que o serviam.
    A ideia de Pátria morreu com ele, em termos de ocupação do Poder. Os pobres bem intencionados que Lhe sucederam, com alguns que nem isso eram a reboque, estavam mais interessados em descobrir como se livrar da batata quente.
    Por isso, aproveito a Tua intervenção para honrar aqui a Memória Sagrada do Coronel Ferrand de Almeida, dos Raros que saíram para a rua a 25A, no sentido de defender o que tinham jurado. Se existiu um Couceiro no Estado Novo, temos de pensar Nele.

    Meu Caro Jansenista; Há ironias e simulados alheamentos que atestam a Honorabilidade de uma Pessoa. É o caso dos Seus, que também contribuem para o meu orgulho em tê-Lo como Amigo.

    Beijinhos e abraços, Queridos Interlocutores que tanto prezo.
    Bem hajam.

     
  • At 10:34 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro SA:
    É com gosto que O recebo cá. Creio que os danos são irreversíveis. Mas podemos aproveitar o lema que dá o Nome a Sua Casa para modificarmos a nossa maneira de os encararmos.
    Um abraço.

     
  • At 11:45 PM, Blogger Mendo Ramires said…

    De rebimba o malho! Bravíssimo!

     
  • At 3:04 AM, Blogger Marcos Pinho de Escobar said…

    Meu caro Paulo,
    Um belo texto, como todos da lavra do Misantropo. Com todo o respeito faço minhas as suas palavras. Pela primeira vez não tive disposição para externar a tristeza, a impotência, a revolta, pela tragédia maior de nossa História, nefando crime que provocou a imolação de milhões de inocentes.
    Que festejem a data os obreiros da bestialidade. Deste mundo dos homens não espera-se grande coisa. Estão, contudo, intimados a comparecer diante do tribunal Divino. E a verdadeira Justiça não falhará.
    Aceite o abraço amigo do
    MPE

     
  • At 9:04 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro Mendo:
    Teve de ser, estava atravessado.

    Meu Caro e Euro-Ultramarino MPE:
    A Sua aprovação diz-me muitíssimo. E junto a minha convicção à do Meu Querido Amigo, de que, um dia, uma Justiça Maior dará aos tristes responsáveis de tanta maldade a devida retribuição.
    Abraços apertados a Ambos.

     
  • At 10:25 AM, Anonymous Anonymous said…

    Curto e Brilhante.

     
  • At 10:54 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Obrigado, Caro A.
    Abraço.

     
  • At 11:14 AM, Anonymous Anonymous said…

    Meu Caro Misantropo,

    Parabéns por mais uma intervenção de antologia.

    (Só não alinho naquilo do futebol. Torço pela Selecção do Brasil. E, quando crescerem e aparecerem, torcerei também pelas dos "novos brasis". Que o são/serão malgré nous/eux: não fomos ouvidos. Os tais "escravos" -e seus amos- decidiram por nós. A Pátria foi retalhada, e hoje
    "entre restos de flores / reina a Senhora das Dores / com sete espadas no peito. // Dos seus olhos sete rios / correm sobr'os restos frios / do meu [nosso] Portugal desfeito..."

    Um abraço
    d'O Internauta Descerebrado.

     
  • At 11:21 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro Internauta Descerebrado:
    É sempre com grande alegria que recebo notícia da aprovação Dessas Bandas proveniente, para mais acrescida de versos notáveis e enriquecedores. Somos um barquinho à deriva, com o que resta do navio que a própria tripulação afundou.
    Grande abraço.

     
  • At 11:49 AM, Blogger Flávio Santos said…

    Só agora (felizmente!) de volta ao rectângulo, aproveito para dar os parabéns ao meu amigo por um texto um pouquinho mais rude que o habitual - mas muito justamente.
    Um abraço.

     
  • At 11:54 AM, Anonymous Anonymous said…

    Os versos são de Diogo Pacheco de Amorim («As Quatro Padroeiras»). Graças a José de Campos e Sousa, que os cantou, e a um certo Engenhocas, que os pôs "em-linha", podemos ouvi-los no ciberespaço:

    http://masoreivainu2.castpost.com/356194.html

    Outro abraço
    d'O Internauta Descerebrado.

     
  • At 12:59 PM, Anonymous Anonymous said…

    Em boa hora recordas o meu saudoso Tio, Paulo...a tua definição Dele como um Paiva Couceiro é fantástica!

    Mas eu não o definiria como sendo do Estado Novo, a menos que isso sse refira apenas ao aspecto temporal...Ele tinha, sim, uma ideia de Portugal que morreu com o 25A, e foi por isso, também, que nunca aderiu à revolução (embora tivesse sido insistentemente convidado a fazê-lo, mas isso é outra história!).

    Abraços e obrigado
    Tiago

     
  • At 3:04 PM, Anonymous Anonymous said…

    Um texto que me chegou p email e me pareceu interessante partilhar perante o que li....

    ------------------------------

    Duzentos capitães! Não os das caravelas
    Não os heróis das descobertas e conquistas,
    A Cruz de Cristo erguida sobre as velas
    Como um altar
    Que os nossos marinheiros levavam pelo mar
    À terra inteira!(Ó esfera armilar. Que fazes hoje tu nessa bandeira?)
    Ó marujos do sonho e da aventura,
    Ó soldados da nossa antiga glória,
    Por vós põe luto a nossa História!
    Duzentos capitães! Não os de outrora...
    Duzentos capitães destes de agora, (Pobres inconscientes)
    Levando hilares, ufanos e contentes
    A Pátria à sepultura,
    Sem sequer se mostrarem compungidos
    Como é dever dos soldados vencidos.
    Soldados que sem serem batidos
    Abandonaram terras, armas e bandeiras.
    Populações inteiras
    Pretos, brancos, mestiços (Milagre português da nossa raça)
    Ao extermínio feroz da populaça.
    Ó capitães traidores dum grande ideal
    Que tendo herdado um Portugal
    Longínquo e ilimitado como o mar
    Cuja bandeira, a tremular,
    Assinalava o infinito português
    Sob a imensidade do céu,
    Legais a vossos filhos um Portugal pigmeu,
    Um Portugal em miniatura,
    Um Portugal de escravos
    Enterrado num caixão d'apodrecidos cravos!
    Ó tristes capitães ufanos da derrota,
    Ó herdeiros anões de Aljubarrota,
    Para vossa vergonha e maldição
    Vossos filhos mais tarde ocultarão
    Os vossos apelidos d'ignominia...
    Ó bastardos duma raça de heróis,
    Para vossa punição
    Vossos filhos morrerão
    Espanhóis!


    10 de Junho de 1975 (Dia da Raça)
    Joaquim Paço d' Arcos


    ------------------------------

    cmpts

    P de Pensador

     
  • At 3:57 PM, Anonymous Anonymous said…

    [A propósito de Poesia, de flores, e d’uma data infausta.]
    Do livro Até Maio, de Rui Falcão de Campos:

    Se o fado quiser que eu morra
    Na minha Pátria traída,
    Meu País feito masmorra
    D’uma vontade vencida,

    Quando eu for a enterrar,
    Não chores por mim, amor.
    Não vale a pena chorar:
    Finda a vida, finda a dor.

    Lança-me um cravo prá cova.
    Não me cubras co’uma rosa,
    Que a modos que é moda nova
    E o cravo é flor bem mimosa.

    Quero ser amortalhado
    Com o cancro do meu País:
    Com um cravo bem encarnado
    Já que Deus assim o quis.

    (Citado de memória
    pel’O Internauta Descerebrado.)

     
  • At 7:15 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro Internauta Descerebrado:
    Obrigadíssimo pelas belas poesias de Dois Patriotas a toda a prova.
    Belíssimos, ambos.

    Meu Caro FSantos:
    Bem vindo! Ainda bem que escapaste das Vascongadas a uns grupos etarras ou paraetarras que parecem ter entrado em autogestão. Reconheço um certo pendor mais agreste neste escrito, porém estava entalado na garganta...

    Meu Caro TSantos:
    era da mais elementar justiça fazê-lo. Não pretendi dizer que era um Homem do Estado Novo, senão que tinha sido dos raros a mostrar empenho em honrar a Palavra dada de defender o País, não colaborando, a partir do interior, com o inimigo, em tempo de guerra.

    Meu Caro Pensador:
    Muito obrigado por tão oportuno contributo. É caso para dizer: "o J. Paço d´Arcos viu-a toda"...

     
  • At 12:59 PM, Anonymous Anonymous said…

    Caro Misantropo:

    Os nefandos cravos vermelhos de Abril são um dos símbolos dos energúmenos que se julgam «senhores do mundo» desde o século XIX, a saber: Bilderbergers, Comissão Trilateral, CFR, Round Table, etc.
    Usaram-nos na Reunião Mundial dos Bilderbergers na Penha Longa, em 1998 (vide um artigo do The News desse ano), usavam-nos na City de Londres nos tempos da British Israel.
    Assim, nada melhor que dizerem aos paus mandados dos recrutas de Abril para espetarem a coisa nos canos das G-3 e FBPs, de modo a dizerem aos de fora que aquilo era obra deles.
    Uma tristeza. De tal modo que nunca mais deixei a minha mulher plantar cravos no jardim (vermelhos ou outros). E ela também perdeu a vontade.

     
  • At 10:29 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Caríssimo Anónimo:
    nem de propósito! O Seu comentário faz-me louvar, de imediato, o gosto do Casal. Mas o que queria salientar é que o assunto está conexionado com o tema de um "post" que vou publicar, de imediato, embora referente aos panoramas nacionais.
    Um abraço.

     

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