Luto Carregado
Há trinta e dois anos resolveram uns militares, ciosos das suas regalias e desejosos de prescindir dos sacrifícios que as legitimavam, mudar a forma do País. Digo a forma, que o espírito tinha-se alienado, desde 1968. Quiseram fazer de Portugal uma imitação dos outros, pois têm das costas uma concepção de receptáculo de palmadinhas e não de coisas para se ter direitas. Esquecem que, nos momentos de crise, as pancadinhas amistosas para jornalista ver se podem transformar em pauladas.
Apregoaram a liberdade. E deram-na, aos atrevidos, como aumentaram a impunidade e ausência de repressão do criminoso comum. Substituíram assim um Estado em que os fora-da-lei não tinham à vontade, por outro em que as Pessoas Honestas vivem aflitas. Deram cabo da vida da Província e da tranquilidade, pondo em seu lugar a constante mutação e os traumas depressivos da vida metropolitana. O consumismo e a vida a crédito imperam, fingindo-se não reparar que o excesso e o que assenta no ar eliminam o gosto e a credibilidade.
A referência deixou de ser a Bandeira Nacional, salvo no Desporto. Por isso vou gostando um pouco mais dele que do resto. Das bandeiras multi-coloridas das facções em que cada um se inscreve, em vez de se querer adstrito ao Todo Nacional, nada tenho a dizer, porque nada me dizem. Falaram contra o «respeitinho», que era a única forma de Respeito que muita gente conhece. Agora não se queixem.
Por andarem a mando dos americanos e de Bruxelas, não merecem o nome que se inventaram de «Revolução dos Cravos», mas antes de Revolução dos Escravos. Aliás, essa floração do golpe - de estado e de baixo que foi -, é cópia descarada do 28 de Maio de 1926, em que os Soldados colocaram cravos brancos na boca das armas, por se estar a desenrolar um importante congresso Mariano. Os cravos de 1974 tiveram pois, apenas o trabalho de se tingir de vermelho. Do sangue das vítimas da "descolonização exemplar", decerto.
23 Comments:
At 1:41 PM, Sandokan said…
Caro Misantropo, estive uns tempos arredado destas lides, mas sempre que podia vinha deitar aqui um olho a esta incontornável Enciclopédia. Com amizade, acompanho-o neste luto, embora tenha a sorte de "apenas" viver os resquícios desse dia trágico! Um abraço,
AVC
At 1:41 PM, Anonymous said…
Obrigada, muito obrigada por este post.
"Deram cabo da vida da Província e da tranquilidade, pondo em seu lugar a constante mutação e os traumas depressivos da vida metropolitana."
Diz tudo.
Aliás,diz tudo o que eu gostaria de dizer/escrever, mas falta-me a arte literária aqui bem expressa.
De alguém que o conhece.MM
At 4:59 PM, vs said…
Tem razão...e não tem.
Explico.
Alguns dos problemas que o Paulo diagnostica são reais e a verdade é que as coisas poderiam (e deveriam) ter-se passado de forma muito diferente.
Em Espanha houve Homens capazes de a fazer....por cá, foi o que se viu.
Quanto ao famigerado Estado Novo vamos ser práticos: estava acabado.
Um regime baseado na mediocridade, numa mentalidade ensimesmada, na utópica e anacrónica 'pax ruris', no sub-desenvolvimento da 'casinha portuguesa' e todas as demais 'traquitanas' não deixa quaisquer saudades e compreendo perfeitamente que não deixe.
Além do mais, é preciso reconhecer que não havia qualquer hipótese de continuidade de um regime daqueles nesta época histórica.
Acontece que,infelizmente e de certa forma, o novo regim não cortou definitivamente com o anterior.
A mediocridade, a tacanhez, a cuscuvilhice, o espírito 'bufo', a invejazinha rasteira erguida em estalão geral de valor*...tudo se mantem...o que não admira.
É preciso SACUDIR esta canga de uma vez por todas.
Se calhar, já faltou mais.
*tudo isto já existia, mas a I República e o Estado Novo sistematizaram estas características como ideário contagiando a 'petite democratie' em que vivemos desde Novembro de 1975.
At 5:09 PM, Anonymous said…
Belo texto, caro Porto. O sangue das vítimas da «debandada» africana (palavras de António José Saraiva e não de algum «fascista» ressabiado) é sempre omitido nesta data infausta.
At 6:44 PM, Anonymous said…
Pois é, Paulo, dizes bem: o "espírito" tinha-se ido há muito, e os que ficaram não souberam (ou não quiseram, ou não tiveram coragem de) suceder-lhe...e foi o que se viu! No fundo, nada de muito novo na nossa História: somos um povo que nunca soube merecer os (poucos) líderes que tivemos...
Para mim, o próprio Salazar já há muito tinha desistido de tentar "endireitar" o país (daí o lento declínio do regime). Curiosamente, foi a (impropriamente chamada) "guerra colonial" que lhe deu um último alento para tentar fazer ver aos Portugueses que ainda podíamos ser um País, mesmo "orgulhosamente sós" (outra lenda: nunca estivemos totalmente sós, simplesmente os que nos apoiavam não o queriam/podiam dizer publicamente...). Falhou...e com ele acabou uma Ideia de Portugal.
Hoje, continuamos pobres e ignorantes, é certo, mas já não estamos orgulhosamente sós! Ou melhor, estamos sós, no atraso que levamos do resto da Europa, e que se aprofunda cada vez mais, mas isso não é razão nenhuma para nos orgulharmos...
Abraço
T
At 6:52 PM, Jansenista said…
Não percebo porque é que se comemora entre nós om tanto alarido o dia ANZAC, a celebrar o desembarque em Gallipoli. Talvez alguém me possa esclarecer...
At 7:24 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Sandokan:
Quem é Vivo sempre aparece! Estava cheio de saudades de O ver por cá, como nas «curtas...», onde vem intervindo menos, deixando o encargo de postar aos Seus Colegas.
Quanto ao objecto da tristeza, livrou-Se de boa. Mas, com a Sua cultura, acabou por apreender de outra forma a tristeza de uma Pátria que foi.
MM:
Obrigado sou eu por palavras tão gentis. A mudança abrupta que se deu na valorização e desvalorização dos centros de residência, segundo a dimensão respectiva, parecem ser aspecto tremendo a ter em conta no mal-estar que ensombra o nosso equilíbrio espiritual, na medida em que criou monstuosos aglomerados urbanos que agridem de "per se" e com todos os problemas que arrastam.
Gostaria de ter uma pista sobre a identidade. Talvez pela tristeza de hoje, não consegui descodificar as iniciais.
Querida Maria:
Muito obrigado. Se vergonha houvesse, quer os revolucionários de Abril, quer os receptadores que com o crime deles se locupletaram, deveriam morrer de vergonha. Mas tal arrependimento seria demasiada honra para tal gente...
Meu Caro Nelson:
o Estado Novo estava acabado desde que as suas próprias figuras cimeiras deixaram de nele acreditar, o que aconteceu com Marcello Caetano, por exemplo.
Sem lutar é impossível ganhar um combate político. Lutando poderá ser ganho. Não existe coisa como determinismo histórico, salvo na medida em que o padrão dominante impressione o espírito dos homens.
Salazar ligava-lhe menos do que eu a um mosquito.
E quanto lamento o desvanecimento da "pax ruris" daquele tempo, substituída pelas metrópoles de segunda em que a mediocridade, para se não ver solitária, se alia à maldade!
Meu Caro Eurico:
E quando penso nos que foram mortos, para já não falar de tantas Vítimas de outro tipo, muitos deles ex-combatentes, penso em como se sentirão os Doutores Frankensteins abrileiros, perante a ideia do assassínio dos seus ex-camaradas.
Mas claro que é esperar demais acreditar que se dignam pensar em tal, por breves momentos que seja.
Meu Caro TSantos: Salazar fez até ao fim a Sua parte. Mas claro que conhecia demasiado bem os homens para acreditar que tivessem emenda. Quer os inimigos, quer os que o serviam.
A ideia de Pátria morreu com ele, em termos de ocupação do Poder. Os pobres bem intencionados que Lhe sucederam, com alguns que nem isso eram a reboque, estavam mais interessados em descobrir como se livrar da batata quente.
Por isso, aproveito a Tua intervenção para honrar aqui a Memória Sagrada do Coronel Ferrand de Almeida, dos Raros que saíram para a rua a 25A, no sentido de defender o que tinham jurado. Se existiu um Couceiro no Estado Novo, temos de pensar Nele.
Meu Caro Jansenista; Há ironias e simulados alheamentos que atestam a Honorabilidade de uma Pessoa. É o caso dos Seus, que também contribuem para o meu orgulho em tê-Lo como Amigo.
Beijinhos e abraços, Queridos Interlocutores que tanto prezo.
Bem hajam.
At 10:34 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro SA:
É com gosto que O recebo cá. Creio que os danos são irreversíveis. Mas podemos aproveitar o lema que dá o Nome a Sua Casa para modificarmos a nossa maneira de os encararmos.
Um abraço.
At 11:45 PM, Mendo Ramires said…
De rebimba o malho! Bravíssimo!
At 3:04 AM, Marcos Pinho de Escobar said…
Meu caro Paulo,
Um belo texto, como todos da lavra do Misantropo. Com todo o respeito faço minhas as suas palavras. Pela primeira vez não tive disposição para externar a tristeza, a impotência, a revolta, pela tragédia maior de nossa História, nefando crime que provocou a imolação de milhões de inocentes.
Que festejem a data os obreiros da bestialidade. Deste mundo dos homens não espera-se grande coisa. Estão, contudo, intimados a comparecer diante do tribunal Divino. E a verdadeira Justiça não falhará.
Aceite o abraço amigo do
MPE
At 9:04 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Mendo:
Teve de ser, estava atravessado.
Meu Caro e Euro-Ultramarino MPE:
A Sua aprovação diz-me muitíssimo. E junto a minha convicção à do Meu Querido Amigo, de que, um dia, uma Justiça Maior dará aos tristes responsáveis de tanta maldade a devida retribuição.
Abraços apertados a Ambos.
At 10:25 AM, Anonymous said…
Curto e Brilhante.
At 10:54 AM, Paulo Cunha Porto said…
Obrigado, Caro A.
Abraço.
At 11:14 AM, Anonymous said…
Meu Caro Misantropo,
Parabéns por mais uma intervenção de antologia.
(Só não alinho naquilo do futebol. Torço pela Selecção do Brasil. E, quando crescerem e aparecerem, torcerei também pelas dos "novos brasis". Que o são/serão malgré nous/eux: não fomos ouvidos. Os tais "escravos" -e seus amos- decidiram por nós. A Pátria foi retalhada, e hoje
"entre restos de flores / reina a Senhora das Dores / com sete espadas no peito. // Dos seus olhos sete rios / correm sobr'os restos frios / do meu [nosso] Portugal desfeito..."
Um abraço
d'O Internauta Descerebrado.
At 11:21 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Internauta Descerebrado:
É sempre com grande alegria que recebo notícia da aprovação Dessas Bandas proveniente, para mais acrescida de versos notáveis e enriquecedores. Somos um barquinho à deriva, com o que resta do navio que a própria tripulação afundou.
Grande abraço.
At 11:49 AM, Flávio Santos said…
Só agora (felizmente!) de volta ao rectângulo, aproveito para dar os parabéns ao meu amigo por um texto um pouquinho mais rude que o habitual - mas muito justamente.
Um abraço.
At 11:54 AM, Anonymous said…
Os versos são de Diogo Pacheco de Amorim («As Quatro Padroeiras»). Graças a José de Campos e Sousa, que os cantou, e a um certo Engenhocas, que os pôs "em-linha", podemos ouvi-los no ciberespaço:
http://masoreivainu2.castpost.com/356194.html
Outro abraço
d'O Internauta Descerebrado.
At 12:59 PM, Anonymous said…
Em boa hora recordas o meu saudoso Tio, Paulo...a tua definição Dele como um Paiva Couceiro é fantástica!
Mas eu não o definiria como sendo do Estado Novo, a menos que isso sse refira apenas ao aspecto temporal...Ele tinha, sim, uma ideia de Portugal que morreu com o 25A, e foi por isso, também, que nunca aderiu à revolução (embora tivesse sido insistentemente convidado a fazê-lo, mas isso é outra história!).
Abraços e obrigado
Tiago
At 3:04 PM, Anonymous said…
Um texto que me chegou p email e me pareceu interessante partilhar perante o que li....
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Duzentos capitães! Não os das caravelas
Não os heróis das descobertas e conquistas,
A Cruz de Cristo erguida sobre as velas
Como um altar
Que os nossos marinheiros levavam pelo mar
À terra inteira!(Ó esfera armilar. Que fazes hoje tu nessa bandeira?)
Ó marujos do sonho e da aventura,
Ó soldados da nossa antiga glória,
Por vós põe luto a nossa História!
Duzentos capitães! Não os de outrora...
Duzentos capitães destes de agora, (Pobres inconscientes)
Levando hilares, ufanos e contentes
A Pátria à sepultura,
Sem sequer se mostrarem compungidos
Como é dever dos soldados vencidos.
Soldados que sem serem batidos
Abandonaram terras, armas e bandeiras.
Populações inteiras
Pretos, brancos, mestiços (Milagre português da nossa raça)
Ao extermínio feroz da populaça.
Ó capitães traidores dum grande ideal
Que tendo herdado um Portugal
Longínquo e ilimitado como o mar
Cuja bandeira, a tremular,
Assinalava o infinito português
Sob a imensidade do céu,
Legais a vossos filhos um Portugal pigmeu,
Um Portugal em miniatura,
Um Portugal de escravos
Enterrado num caixão d'apodrecidos cravos!
Ó tristes capitães ufanos da derrota,
Ó herdeiros anões de Aljubarrota,
Para vossa vergonha e maldição
Vossos filhos mais tarde ocultarão
Os vossos apelidos d'ignominia...
Ó bastardos duma raça de heróis,
Para vossa punição
Vossos filhos morrerão
Espanhóis!
10 de Junho de 1975 (Dia da Raça)
Joaquim Paço d' Arcos
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cmpts
P de Pensador
At 3:57 PM, Anonymous said…
[A propósito de Poesia, de flores, e d’uma data infausta.]
Do livro Até Maio, de Rui Falcão de Campos:
Se o fado quiser que eu morra
Na minha Pátria traída,
Meu País feito masmorra
D’uma vontade vencida,
Quando eu for a enterrar,
Não chores por mim, amor.
Não vale a pena chorar:
Finda a vida, finda a dor.
Lança-me um cravo prá cova.
Não me cubras co’uma rosa,
Que a modos que é moda nova
E o cravo é flor bem mimosa.
Quero ser amortalhado
Com o cancro do meu País:
Com um cravo bem encarnado
Já que Deus assim o quis.
(Citado de memória
pel’O Internauta Descerebrado.)
At 7:15 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Internauta Descerebrado:
Obrigadíssimo pelas belas poesias de Dois Patriotas a toda a prova.
Belíssimos, ambos.
Meu Caro FSantos:
Bem vindo! Ainda bem que escapaste das Vascongadas a uns grupos etarras ou paraetarras que parecem ter entrado em autogestão. Reconheço um certo pendor mais agreste neste escrito, porém estava entalado na garganta...
Meu Caro TSantos:
era da mais elementar justiça fazê-lo. Não pretendi dizer que era um Homem do Estado Novo, senão que tinha sido dos raros a mostrar empenho em honrar a Palavra dada de defender o País, não colaborando, a partir do interior, com o inimigo, em tempo de guerra.
Meu Caro Pensador:
Muito obrigado por tão oportuno contributo. É caso para dizer: "o J. Paço d´Arcos viu-a toda"...
At 12:59 PM, Anonymous said…
Caro Misantropo:
Os nefandos cravos vermelhos de Abril são um dos símbolos dos energúmenos que se julgam «senhores do mundo» desde o século XIX, a saber: Bilderbergers, Comissão Trilateral, CFR, Round Table, etc.
Usaram-nos na Reunião Mundial dos Bilderbergers na Penha Longa, em 1998 (vide um artigo do The News desse ano), usavam-nos na City de Londres nos tempos da British Israel.
Assim, nada melhor que dizerem aos paus mandados dos recrutas de Abril para espetarem a coisa nos canos das G-3 e FBPs, de modo a dizerem aos de fora que aquilo era obra deles.
Uma tristeza. De tal modo que nunca mais deixei a minha mulher plantar cravos no jardim (vermelhos ou outros). E ela também perdeu a vontade.
At 10:29 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caríssimo Anónimo:
nem de propósito! O Seu comentário faz-me louvar, de imediato, o gosto do Casal. Mas o que queria salientar é que o assunto está conexionado com o tema de um "post" que vou publicar, de imediato, embora referente aos panoramas nacionais.
Um abraço.
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