O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Wednesday, February 15, 2006

Leitura Matinal -268

Sempre abominei o Carnaval, as acções a que ele apela, como as
justificações que o tentam legitimar. Muito boa gente intenta passar a sua admissibilidade, quando não a conveniência, em nome do «sentido de humor». Tenho as mais fortes dúvidas acerca da qualidade dessa pretendida disponibilidade, no caso vertente. Aquelas procissões de bonecos com graçolas mais do que previsíveis, uma quantidade de maduros, com idade para mostrarem mais juízo, vestidos de Mulher, as águas, papeluchos, ovos & Cª que se
atiram mutuamente os escravos dos festejos sempre me pareceram das formas mais pobres de despertar o riso. Restam a máscara e as partidas. Quanto à primeira, não confundo um desfile de exibicionismo estéril com o disfarce em vista de um fim, o qual merece atenção. E parece-me de rejeitar a degradação de um objecto que já serviu na esfera do Sagrado e na da Tragédia. Quanto às brincadeiras de mau gosto, não creio que a Humanidade deva, durante uns dias, esforçar-se por se mostrar
pior do que é: já se tornou suficientemente má. Há, no entanto, uma mais perturbadora conclusão a tirar. A de que este pobre remanescente do Excesso, agora pouco lembrado na sua Função de preceder a Contenção Ritual, acaba por não ser mais do que uma desmiolada tentativa de abstrair da Desgraça que o Mundo engorda, o que arrasta um efeito secundário, mas transformador: o de os nossos rostos, cada vez mais se assemelharem às máscaras que julgamos poder arrancar, com a incorporação, pela indiferença, do autismo que ostentámos na mascarada, carreiro certo para nos afastarmos do Divino, Cuja Observação não é contagiada pelas nossas distracções.
Do Poeta Brasileiro João da Cruz e Sousa:

INVULNERÁVEL

Quando dos carnavais da raça humana
Forem caindo as máscaras grotescas
E as atitudes mais funambulescas
Se desfizerem no feroz Nirvana;

Quando tudo ruir na febre insana,
Nas vertigens bizarras, pitorescas
De um mundo de emoções carnavalescas
Que ri da Fé profunda e soberana;

Vendo passar a lúgubre, funérea
Galeria sinistra da Miséria,
Com as máscaras do rosto descoladas;

Tu que és o deus, o deus invulnerável
Resiste a tudo e fica formidável,
No silêncio das noites estreladas!


Confronto «Carnaval», de Max Beckman,
«Máscara», de Ron Mueck e «Deus Pai» de
Andrea del Castagno.

6 Comments:

  • At 12:25 PM, Blogger Jansenista said…

    Uns dias fora e já temos retrato oficial do Cavaco?
    Acima: boa descrição do Carnaval, mas com foliões um bocadinho caducos. Não há por aí uma mulatitas saltitonas?
    Mais acima: por respeito à História, devia voltar-se à tabuleta "Palácio das Necessidades". Para bom entendedor... Para o pessoal mais distraído, poderia especificar-se "Necessidades Fisiológicas", e assim se via a obra do glorioso MNE.

     
  • At 7:13 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Olha, olha! Em boa hora regressado! Sentiu-se imenso a falta deste Desbravador da Áfricas. Nem me fale nas ditas mulatas! Quando no Rio de Janeiro, tinha uma idade tão tenra que não aproveitei coisa pouca que fosse!
    Como sempre, o Reaalismo da análise ilustra à maravilha o desempenho dos políticos que temos. Hihihihi!
    Grande abraço.

     
  • At 1:30 AM, Blogger Maria Carvalhosa said…

    Estou contigo, Paulo. O Carnaval é, para mim, inexistente, passa-me completamente ao lado. Já o teu texto... aplaudo, como muito do que escreves.
    Um beijo.

    (completamente a despropósito, se fores ao blog da Viajante, vê o meu comentário ao teu, sobre o tema da bailarina e da decadência (hihihi!))

     
  • At 9:03 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Querida Maria:
    Vou já para Lá.
    Belijinhos.

     
  • At 9:13 PM, Blogger Viajante said…

    Há que tempos aqui não vinha :)
    Começar a ler pelo final de onde se ficou, tem esta vantagem - de abrir por uma coisa e acabar a comentar outra.
    Não aprecio o carnaval, ainda que me lembre de uma época de adolescência em que tentei perceber qual era a graça, e, mais tarde, me crispava dos exageros de mau gosto.
    Quanto ao decadentismo, e à Beleza, ando entretidissima a acabar «O Belo e o Sinistro» de Trías (em vez de «sinistro» a tradução devia ser «inquietante estranheza»).
    :)

     
  • At 8:12 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Penso que todos tivemos, na infância, as mãos cheias das serpentinas, máscaras e bisnagas, como da tentação de fazer como os outros, à laia do Damião de Goes, sem a amargura ou o grau de reflexão do humanista. O pior vem depois. E acredito que o crescimento, como maturidade e moralmente, se traduz na estranheza e, por fim, na rejeição.
    Bj.

     

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