O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Tuesday, February 14, 2006

Duma (In)Certa Permanência

Apesar de o convívio Convosco frequentemente me induzir a acreditar no contrário, há mais vida para além da blogosfera. Como ainda ontem comprovei, ao ir, em Inolvidável Companhia, ver a versão alargada do viscontiniano filme «O Leopardo», tripla incursão, na Estética, na Temporalidade e na Política. Regalei-me. Nestas coisas de Unificação Italiana acho-me sempre dividido entre o ideal do Tradicionalismo e a fidelidade à Casa de Sabóia, dos Senhores dos meus Avós Piemonteses. Mas não é isso que importa. O génio de Visconti, para além de um domínio da imagem, do ritmo e da cor ao alcance de poucos, está em superar o ponto de partida - e de chegada, para os míopes espirituais - que é a visão marxista da permanência da estrutura, sob as alterações superficiais, pela paulatina descoberta do Príncipe de Salina de que não é possível conservar eternamente a juventude, acompanhando os tempos, revelação progressiva e crescente, só momentaneamente interrompida pelo convite da futura sobrinha para a dança, e mais, muito mais, pela revelação de que Tancredi teria sentido ciúmes, face a essa perspectiva. Mas fora esse momento fugaz, em que parecia rejuvenescer, o abatimento instala-se e expande-se. Para a quase Generalidade o momento capital da fita será, compreensivelmente, aquele em que Lancaster despede o enviado do novo poder, dizendo que ao lugar dos «Leões e Leopardos» que a Velha Aristocracia compunham, subiriam as hienas e os chacais. Mas prefiro ainda uma outra cena, menos interiormente revolta, mas que marca o princípio da percepção do erro: Quando o Príncipe, embora com ligeireza, pede desculpa ao humilde Don Ciccio, o baluarte da Fidelidade, por pactuar com o arrivismo liberalizante, ao pedir para o sobrinho a mão da filha do abastado e labrego expoente do regime em ascensão.
Para aqueles a quem só interesse a observação das continuidades sociais, com benefícios e misérias, lembraria que a Itália é um caso à parte. Décadas após a imposição do liberalismo, Mussolini, apesar das passadas que foram a milicianização do País, só epidermicamente conseguiu totalizar o novo regime transalpino, como ainda há dias escrevia Vasco Pulido Valente. E, após a queda, De Gasperi confessou que a Itália, no regime pós-Segunda Guerra Mundial, tinha tirado grandes vantagens da máquina administrativa herdada do Fascismo, a qual permaneceu, praticamente, intocada. Com todas as pequenas trafulhices e subornos, mas também com a eficiência e pacificação que evitaram a guerra civil de dimensões iguais às de outras Nações. Há um romancezinho muito interessante em que o tema é magnificamente pintado: «O Vencido», de Peter Ustinov. Aconselho-o a Todos.

2 Comments:

  • At 10:40 PM, Blogger Je maintiendrai said…

    Caro confrade Cunha Porto, partilho consigo a preferência pelo episódio de don Ciccio, embora interpretando (amparado no texto de Tomasi) de forma diversa a cólera do Príncipe: mais do que a cólera suscitada pela súbita "revelação" e consciencialização de um erro cometido, é a reacção face à humilhação de receber da boca do humilde parceiro de caça o último rebate da "tradição", que aliás insiste racionalmente em repudiar:
    "...E Tumeo aveva ragione, in lui parlava la tradizione schietta. Però era uno stupido: questo matrimonio non era la fine di niente ma il principio de tutto; era nell'ambito di secolari consuetudini...". E consequentemente não há desculpas, apenas uma superior tolerância pelo "stupido": "Andiamo a casa, don Ciccio; voi certe cose non le potete capire. D´accordo come prima, siamo intesi?" E mentre discendevano verso la strada sarebbe stato difficile dire quale dei due fosse don Chisciotte e quale Sancio...". O resto é uma simples desculpa pelo confinamento do pobre Ciccio.
    E obrigado pela sugestão que dá do livro de Ustinov, que desconhecia.

     
  • At 8:03 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Muito Caro Je Maintiendrai:

    Não creio que estejamos a falar de coisas tão diferentes. Não disse que a revelação haja sido súbita, falei foi do início do processo mental de incomodidade com a até aí pacífica aceitação da «necessidade» de adesão aos novos tempos. A humilhação que refere é precisamente o que está na base do problema: um Homem com o "ranking" dele não estar onde deveria, quando outro, com responsabilidade menor, comprovava que se podia permanecer irredutível. É a partir daqui que vai crescendo a sensação de o seu tempo ter passado, porque, apesar de poder ensaiá-lo, a um verdadeiro Jacaré também não é fácil tornar-se lagartixa. Quanto a essa «simples desculpa», não é tão pouco, na precisa medida da necessidade de justificar que a acompanha. Tivesse o Grande Senhor achado que estava no seu direito e não precisaria de tanto palavreado, mesmo para manter uma capa de cordialidade.
    Não se verificava o que o sobrinho afixara «é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma». O Ilustre Siciliano, a partir de agora, ir-se-ia, gradualmente, apercebendo de que "Quase tudo iria mudar, para que alguma coisa ficasse na mesma". Essa coisa, tanto como o poder familiar, seria o "atraso siciliano". Mas o que mudava - a Honra de uma Classe dirigente, com a legitimidade do Trono e o estatuto da Igreja, já tinham sido desbaratados.
    Abraço.

     

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