Leitura Matinal -266

Só as alturas a que o impulso conduz são susceptíveis de proporcionar a experiência intensa
da contemplação angustiada e exclusiva que envergamos, como etapa superadora dos territórios cercados de onde a emoção e o sentimento, o sentimento e a emoção nos libertaram. Ao darmos o crédito da atracção ao Objectivo em que nos decidimos investir por inteiro, sem rede ou corda a que nos agarrarmos, estamos a lançar-nos de cabeça naquilo que queremos desesperadamente querer, para amanhã, não menos intensamente,

conservarmos como carapaça e alimento do misterio e do encantamento que nos transmite a experiência, ou nos transmitiu a recordação da fracção intemporal da nossa biografia que vedamos aos olhares alheios.
Porque só nosso foi. Porque os cimos reluzentes de onde tirámos o êxtase nos deixam cercados agora pela vontade de adivinhar dirigindo os olhares para o cume onde nos situámos e a memória mais o desejo nos conservam, fazendo dos perigos e da iminência da escorregadela fatal o segredo do interesse acrescido que impele à manutenção do que, de outra forma, teria sido recambiado para algum bafiento arquivo de afectos e conquistas.
Acompanhemos Gérard de Cortanze, na tradução de
Isabel Aguiar Barcelos:

A vertigem
é uma pele,
um cacho de "uvas amargas"
entre a saia que desoculta
um lado direito
cortado em ângulo recto.
Como uma cidade
ou como a renda
na qual a faiança
polar
é um efémero relvado de chuva.

Ele tinha crescido entre os fogos
dos enclaves,
sem a brisa do mar
restituída às suas vinhas na beira da janela.
Depois, quisera correr o risco
dos caniços,
dos lábios breves,
ávidos de encantamento.

Para não mais partilhar com alguém
os seus abismos de ardósia,
as suas passagens cheias de noite.

Quem se lamentaria?
Desde o vidro açafroado
no travesseiro de cotim
o enclave das estrelas


Guarnecido com «Mergulho», de Judith Simmonds,
«Lábios - A Hora do Observatório», de Man Ray
e «Procurando o Príncipe Encantado», de Alan Murray.