Leitura Matinal -248

O grande dilema da Humanidade, no que à fruição toca, está em conferir coexistência ao prazer e ao desejo. Mas o paroxismo volitivo não se atinge
por apelos meramente pertença de momentos diferentes dos da consumação. Vive-se, sim, nas representações de objectos da nossa cobiça, sonhados, a que não corresponda forma alcançável. É essa contradição de o supremo estímulo residir no que não poderá oferecer satisfação alguma que nos leva a construções faraónicas de promessas de desfrute, mais não fazendo do que intensificar a obcessão com o que se não
tem e nunca se terá. Mas tal insistência em dirigir-nos para aquilo a que se sabe não poder chegar e sequente produção da faísca que desencadeia o descontrole dos instintos vêm afinal demonstrar, a quem queira aprender, que o maior desejo que o homem pode conceber é experimentá-lo na sua imperfeição insaciada. Os antigos descobriram nisto a diferença entre os mortais e os deuses. E reservaram a estes o nectar e as ambrosias. Talvez quando nos cosciencializarmos deste facto tenhamos dado um passo em direcção ao Divino.
De Luís Filipe Sarmento:

NECTAR

Como tudo, na sua impossibilidade,
nos consome no seu aroma
como também é consumido
no seu gosto. Quando no ponto,
isto é, na sua inexistência virtual,
o aparato cerebral dispara,
o violento tremor rodopia,
o suor é levado às lágrimas
e o segredo oculto do prazer
mostra-se num raio da sua existência:
Último momento
e primeiro instante
do desejo.

Uma gravura setecentista de Autor desconhecido,
representando Bacoelevando o Nectar, precede
«Desejo», de Noelle Stoffel.