Leitura Matinal -238
O Trágico mudou, ao democratizar-se. Deixou de ser a luta de seres excepcionais contra o Destino, num espaço restrito representada,
em que a participação geral era remetida para coro e público, este último constituindo um elemento exterior, na medida em que carente da condição que lhe permitisse o protagonismo. No ressoar eterno da exteriorização do sofrimento encontrava a Comunidade o espaço parasagrado com que intentava lavar-se das dificuldades com que ia deparando. O Poeta era,
nesses tempos, um quase sacerdote que punha os olhos nos Deuses e nos Heróis, para encontrar as palavras mágicas que revelassem sentidos da vida perceptíveis pela generalidade. Hoje os cultores da poesia mais não podem do que virar com saudade os olhos para os ilustres predecessores que ocupavam o alto lugar que ambicionavam. Porque, não percebendo que há patamares diferentes para a
dor, entendeu-se serem todas as misérias humanas dignas de elevar-se ao estatuto do Trágico, amalgamando os problemas e insuficiências de todos, em cada dia, o incómodo e a revolta perante eles e a viciação de testemunhá-los e adivinhá-los, com a igualização absoluta que suprime o muro da divisão entre o representado e a assistência, propiciatório da exclusiva interacção no mecanismo libertador característico desta última.
Nos tempos decrescentes já não há Heróis. A Catarse torna-se pois impossível.
De Ósip Mandelstam, por Nuno e Filipe Guerra
traduzido:
Onde está acorrentado e cravado o gemido?
Onde está Prometeu - apoio e esteio da rocha?
Onde está o milhafre e os olhos amarelos,
ameaça de garras voando rasante?
Não mais sucederá - as tragédias não voltam,
mas estes lábios ao ataque, mas estes lábios
vão direitos a Ésquilo, o carregador,
direitos a Sócrates, o lenhador sábio.
Ele é eco, saudação, ele é marco, não - é relha...
O teatro de ar e pedra dos tempos crescentes
pôs-se de pé e todos querem ver todos -
nascidos, mortais e os que não têm morte.
A representação antiga de Melpomene, a Musa da Tragédia
e a expressiva máscara usada nas representações dela
confrontam-se com «Tragédia» de Picasso.
em que a participação geral era remetida para coro e público, este último constituindo um elemento exterior, na medida em que carente da condição que lhe permitisse o protagonismo. No ressoar eterno da exteriorização do sofrimento encontrava a Comunidade o espaço parasagrado com que intentava lavar-se das dificuldades com que ia deparando. O Poeta era,
nesses tempos, um quase sacerdote que punha os olhos nos Deuses e nos Heróis, para encontrar as palavras mágicas que revelassem sentidos da vida perceptíveis pela generalidade. Hoje os cultores da poesia mais não podem do que virar com saudade os olhos para os ilustres predecessores que ocupavam o alto lugar que ambicionavam. Porque, não percebendo que há patamares diferentes para a
dor, entendeu-se serem todas as misérias humanas dignas de elevar-se ao estatuto do Trágico, amalgamando os problemas e insuficiências de todos, em cada dia, o incómodo e a revolta perante eles e a viciação de testemunhá-los e adivinhá-los, com a igualização absoluta que suprime o muro da divisão entre o representado e a assistência, propiciatório da exclusiva interacção no mecanismo libertador característico desta última.
Nos tempos decrescentes já não há Heróis. A Catarse torna-se pois impossível.
De Ósip Mandelstam, por Nuno e Filipe Guerra
traduzido:
Onde está acorrentado e cravado o gemido?
Onde está Prometeu - apoio e esteio da rocha?
Onde está o milhafre e os olhos amarelos,
ameaça de garras voando rasante?
Não mais sucederá - as tragédias não voltam,
mas estes lábios ao ataque, mas estes lábios
vão direitos a Ésquilo, o carregador,
direitos a Sócrates, o lenhador sábio.
Ele é eco, saudação, ele é marco, não - é relha...
O teatro de ar e pedra dos tempos crescentes
pôs-se de pé e todos querem ver todos -
nascidos, mortais e os que não têm morte.
A representação antiga de Melpomene, a Musa da Tragédia
e a expressiva máscara usada nas representações dela
confrontam-se com «Tragédia» de Picasso.
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