Leitura Matinal - 217
Mortes anunciadas que se não confirmam podem originar tanto bem dispostas contestações como a célebre de Mark Twayn a um jornal: «Notícia da minha morte ligeiramente exagerada»,
como dar azo à hiperbolização de um sentimento
já experimentado por muitos de nós, em que a vaidade e a curiosidade andam de braço dado. Quem não sonhou já ser mosca pelos instantes suficientes que lhe permitissem inteirar-se da opinião que alguém, em particilar, manifestasse a seu respeito, quando não estivesse presente? Pois o paroxismo dessa atitude pode encontrar-se, justamente, sem a morbidez do desejo, na
jocosa
reflexão em verso que Charles D´Orléans, ao lado retratado, produziu, perante o espectáculo dos sentimentos antagónicos atiçados pela nova do falecimento respectivo. Não é tanto a presença do revanchismo dirigido aos que rejubilaram com o não-verificado passamento que interessa mais. O que me seduz nesta composição, para além do humour do tratamento que se reserva, é a panorâmica sobre os olhares de todos os que fixam a nossa imagem com ocultas más vontades, transformados assim, pela imodéstia da nossa opinoão discordante, nos porcos diante dos quais evoluímos, sempre acompanhados das vontades pouco generosas que nos dirigem.
De Charles D´Orléans, à Jorge de Sena:
BALADA DE "NOUVELLES ONT COURU LA FRANCE"
As novas correm por França
e outros lugares, que morri,
e com não pouca folgança
de quem me quer mal a mi.
Mas muitos que sempre vi
amigos de leal querer
sofrem tristura mui lhana.
A todos se faz saber
que inda é viva a ratazana.
Não passei mal nem esquivança
e sano vivo e vivi,
gastando o tempo na esp´rança
de que a paz voltando a si
há-de acordar per aí,
a todos dando prazer.
Maldito seja o sacana
que se doa de saber
que inda é viva a ratazana.
De eu ser jovem a possança
nem um pouco não perdi,
se bem que a velhice avança
que quer ter-me para si.
Mas inda não me rendi,
chorando como é mister.
Louvado Deus que me ufana
da minha força e poder:
Que inda é viva a ratazana.
"Envoi"
Luto por mim ninguém vista,
nem faça saldo à semana
de pano preto o lojista:
Que inda é viva a ratazana.
Além do retrato do Autor, pareceu-me adequado publicar
«O Porco e o Rato», de Chris Shields.
como dar azo à hiperbolização de um sentimento
já experimentado por muitos de nós, em que a vaidade e a curiosidade andam de braço dado. Quem não sonhou já ser mosca pelos instantes suficientes que lhe permitissem inteirar-se da opinião que alguém, em particilar, manifestasse a seu respeito, quando não estivesse presente? Pois o paroxismo dessa atitude pode encontrar-se, justamente, sem a morbidez do desejo, na
jocosa
reflexão em verso que Charles D´Orléans, ao lado retratado, produziu, perante o espectáculo dos sentimentos antagónicos atiçados pela nova do falecimento respectivo. Não é tanto a presença do revanchismo dirigido aos que rejubilaram com o não-verificado passamento que interessa mais. O que me seduz nesta composição, para além do humour do tratamento que se reserva, é a panorâmica sobre os olhares de todos os que fixam a nossa imagem com ocultas más vontades, transformados assim, pela imodéstia da nossa opinoão discordante, nos porcos diante dos quais evoluímos, sempre acompanhados das vontades pouco generosas que nos dirigem.
De Charles D´Orléans, à Jorge de Sena:
BALADA DE "NOUVELLES ONT COURU LA FRANCE"
As novas correm por França
e outros lugares, que morri,
e com não pouca folgança
de quem me quer mal a mi.
Mas muitos que sempre vi
amigos de leal querer
sofrem tristura mui lhana.
A todos se faz saber
que inda é viva a ratazana.
Não passei mal nem esquivança
e sano vivo e vivi,
gastando o tempo na esp´rança
de que a paz voltando a si
há-de acordar per aí,
a todos dando prazer.
Maldito seja o sacana
que se doa de saber
que inda é viva a ratazana.
De eu ser jovem a possança
nem um pouco não perdi,
se bem que a velhice avança
que quer ter-me para si.
Mas inda não me rendi,
chorando como é mister.
Louvado Deus que me ufana
da minha força e poder:
Que inda é viva a ratazana.
"Envoi"
Luto por mim ninguém vista,
nem faça saldo à semana
de pano preto o lojista:
Que inda é viva a ratazana.
Além do retrato do Autor, pareceu-me adequado publicar
«O Porco e o Rato», de Chris Shields.
2 Comments:
At 11:55 AM, Je maintiendrai said…
Belíssimo! Bravo!
Ideal para uns e-mails surprise!
At 12:12 PM, Paulo Cunha Porto said…
Obrigado, Hihihihihihi! Essa finalidade está muito bem vista...
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