Mais Um, Menos Um
Escreveu Will Durant sobre o Sócrates helénico: «enfim,
foi um homem feliz; vivia sem trabalhar, lia sem escrever,
ensinava sem rotina, bebia sem ficar tonto e morreu antes
da senilidade e quase sem dor».
Ensinava sem rotina... eis o sonho e a medicina de qualquer
sistema educativo, infelizmente impossível de atingir nas
sociedades contemporâneas, já que o ensino, nelas, é apenas
sectorial e massificado. Ao iniciar um novo ano escolar,
devo exceptuar alguns professores extraordinários que poderão
fazer o milagre de despertar o interesse de grande parte dos
alunos. Mas é completamente fantasista acreditar que o típico
funcionário pago pelo Estado para dar umas horitas duma só
disciplina a um grupo vasto que o não procurou, por iniciativa
pessoal, consiga criar a curiosidade intelectual genérica que
estaria ao alcance de um mestre único, desde que competente.
É por isso, e não pela maior dificuldade das matérias, que
subsiste e que se agrava o insucesso no equivalente ao antigo
Liceu, muito mais do que no anterior período correspondente à
instrução primária, apesar de a capacidade intelectual crescer
como que geometricamente, face ao aumento aritmérico das
dificuldades dos programas.
Difícil é despertar o interesse a um jovem para o que ele não
identifica como poder vir a ser-lhe de utilidade directa no
futuro. As vítimas são tanto os campos em que a abstracção é
maior, como a matemática e a filosofia, como os seus contrapontos,
onde a observação e a experimentação predominam: a química e a
biologia. Tudo porque, não havendo unidade no docente, raramente o
formando consegue abarcar o que deva ser a totalidade do Homem.
O passo seguinte é a indiferença, ou o embrutecimento com concursos
e novelas televisivos. As melhores perspectivas repousam ainda em
descargas mais ou menos subjugadas pela radicalidade.
Qualquer tentativa de reconversão estará votada ao fracasso enquanto
se insistir - como hoje mesmo, pela manhã -, na base do puro palpite
sem substracto, em facultar votações telefónicas aos espectadores
televisivos, sobre a questão de o ano escolar em início poder vir a
ser melhor ou pior que o anterior. É justamente a ausência de
estímulo à reflexão, substituída pela decisão arbitrária e
impensada, o contrário do exemplo que se quereria fundado na
histórica experiência grega do pensamento.
Ah, é verdade, o meu voto: o ano escolar vai decorrer tão bem, ou tão
mal, como o anterior e o próximo.
Gostaria, pelas ideias enformantes, especialmente no que tangem à
captação da atenção do Outro, que não pela validade da exposição,
de dedicar este post ao Américo de Sousa.
foi um homem feliz; vivia sem trabalhar, lia sem escrever,
ensinava sem rotina, bebia sem ficar tonto e morreu antes
da senilidade e quase sem dor».
Ensinava sem rotina... eis o sonho e a medicina de qualquer
sistema educativo, infelizmente impossível de atingir nas
sociedades contemporâneas, já que o ensino, nelas, é apenas
sectorial e massificado. Ao iniciar um novo ano escolar,
devo exceptuar alguns professores extraordinários que poderão
fazer o milagre de despertar o interesse de grande parte dos
alunos. Mas é completamente fantasista acreditar que o típico
funcionário pago pelo Estado para dar umas horitas duma só
disciplina a um grupo vasto que o não procurou, por iniciativa
pessoal, consiga criar a curiosidade intelectual genérica que
estaria ao alcance de um mestre único, desde que competente.
É por isso, e não pela maior dificuldade das matérias, que
subsiste e que se agrava o insucesso no equivalente ao antigo
Liceu, muito mais do que no anterior período correspondente à
instrução primária, apesar de a capacidade intelectual crescer
como que geometricamente, face ao aumento aritmérico das
dificuldades dos programas.
Difícil é despertar o interesse a um jovem para o que ele não
identifica como poder vir a ser-lhe de utilidade directa no
futuro. As vítimas são tanto os campos em que a abstracção é
maior, como a matemática e a filosofia, como os seus contrapontos,
onde a observação e a experimentação predominam: a química e a
biologia. Tudo porque, não havendo unidade no docente, raramente o
formando consegue abarcar o que deva ser a totalidade do Homem.
O passo seguinte é a indiferença, ou o embrutecimento com concursos
e novelas televisivos. As melhores perspectivas repousam ainda em
descargas mais ou menos subjugadas pela radicalidade.
Qualquer tentativa de reconversão estará votada ao fracasso enquanto
se insistir - como hoje mesmo, pela manhã -, na base do puro palpite
sem substracto, em facultar votações telefónicas aos espectadores
televisivos, sobre a questão de o ano escolar em início poder vir a
ser melhor ou pior que o anterior. É justamente a ausência de
estímulo à reflexão, substituída pela decisão arbitrária e
impensada, o contrário do exemplo que se quereria fundado na
histórica experiência grega do pensamento.
Ah, é verdade, o meu voto: o ano escolar vai decorrer tão bem, ou tão
mal, como o anterior e o próximo.
Gostaria, pelas ideias enformantes, especialmente no que tangem à
captação da atenção do Outro, que não pela validade da exposição,
de dedicar este post ao Américo de Sousa.
3 Comments:
At 9:22 PM, Paulo Cunha Porto said…
Tresjolie Lectrice:
Que bom vê-la de regresso aos comentários, nesta jaula. Recordo um outro, da Mesma Autora, numa fase muito mais ebrionária deste blogue. Beijo-Lhe as mãos.
At 4:05 PM, João Villalobos said…
Caro Paulo,
Um comentário de excepcional acutilância, belamente escrito «as usual»...Parabéns!
E no entanto, que dizer da educação no próprio lar que deveria incentivar o respeito, a abertura ao saber e a vontade de aprender?
At 7:16 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro João:
Calculei que gostasses, lembro-me bem o quanto rejubilaste com certos aspectos de «O Clube dos Poetas Mortos», que vimos em conjunto, quando esteve no circuito...
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