Leitura Matinal -90
Jantava eu, certa vez, uns anitos atrás, com
uma Promessa da poesia portuguesa, então em
ascensão. Mostrava-se ele contristado por
não sei já quem ter comparado os poetas às
prostitutas. Respondi-lhe, entre duas dentadas
na costeleta de novilho, que «era natural, no fim
de contas tratava-se de duas classes profissionais
que tinham sido criadas para melhorar a vida do
Homem. E ainda recordo a palidez com que o meu
interlocutor respondeu. «Bom, só espero que não as
ponhas no mesmo plano».
Não ponho. Mas choco sempre alguns Amigos mais
intransingentes quando sublinho uma constatação
que entra pelos olhos dentro: as calorias queimadas
na frequentação das profisionais da vida, evitam, com
eficácia, que muitos dos nossos contemporâneos vão
canalizar energias excessivas para fazer mal a outrem.
É um escape que funciona como pacificador social.
Sempre tive uma certa indulgência para com a curiosidade
estudantil e a ocasionalidade da idade adulta que leva,
de quando em vez, a uma dessas visitações proibidas. Como
jogar à bola com os amigos. Claro está, é preciso que se
não veja no caso mais do que ele é.
Exactamente o contrário do que acontece com os que caem
no erro de encarar a coisa como sucedâneo de amores pouco
felizes. Aí a piedade confere contornos mais adstringentes
aos dramas interiores. E suscita reacções como a de Afonso
Lopes Vieira, sob o signo de Camões:
DAMAS DE ALUGUER
Quanto ao que toca a estoutras
damas de aluguer, há muito que
escrevi delas. ...Ninfas de água
doce... Camões, CARTA
Damas de aluguer
são remédio santo
para o que ama tanto
a quem o não quer.
Deixe o seu cuidado
a pobre alma terna
ame na taberna
do Malcozinhado.
Ao sol que aí faz
rebrilhem seus nomes:
a Chiquita Gomes
mais a Antónia Brás.
Damas de má nota,
que a Glória vos queira:
Maria Caldeira
Beatriz da Mota.
Forte espadachim
das vielas de Alfama,
com essa má fama
mais te admiro em mim.
Parecem amargos
os fados benignos,
mas versos divinos
não querem os cargos.
Nem no paço estrelas,
nem em Ceuta as mouras
como estas senhoras
lhe parecem belas.
Ah! Se amado fosse!
Mas assim só quer
ninfas de água doce,
damas de aluguer.
uma Promessa da poesia portuguesa, então em
ascensão. Mostrava-se ele contristado por
não sei já quem ter comparado os poetas às
prostitutas. Respondi-lhe, entre duas dentadas
na costeleta de novilho, que «era natural, no fim
de contas tratava-se de duas classes profissionais
que tinham sido criadas para melhorar a vida do
Homem. E ainda recordo a palidez com que o meu
interlocutor respondeu. «Bom, só espero que não as
ponhas no mesmo plano».
Não ponho. Mas choco sempre alguns Amigos mais
intransingentes quando sublinho uma constatação
que entra pelos olhos dentro: as calorias queimadas
na frequentação das profisionais da vida, evitam, com
eficácia, que muitos dos nossos contemporâneos vão
canalizar energias excessivas para fazer mal a outrem.
É um escape que funciona como pacificador social.
Sempre tive uma certa indulgência para com a curiosidade
estudantil e a ocasionalidade da idade adulta que leva,
de quando em vez, a uma dessas visitações proibidas. Como
jogar à bola com os amigos. Claro está, é preciso que se
não veja no caso mais do que ele é.
Exactamente o contrário do que acontece com os que caem
no erro de encarar a coisa como sucedâneo de amores pouco
felizes. Aí a piedade confere contornos mais adstringentes
aos dramas interiores. E suscita reacções como a de Afonso
Lopes Vieira, sob o signo de Camões:
DAMAS DE ALUGUER
Quanto ao que toca a estoutras
damas de aluguer, há muito que
escrevi delas. ...Ninfas de água
doce... Camões, CARTA
Damas de aluguer
são remédio santo
para o que ama tanto
a quem o não quer.
Deixe o seu cuidado
a pobre alma terna
ame na taberna
do Malcozinhado.
Ao sol que aí faz
rebrilhem seus nomes:
a Chiquita Gomes
mais a Antónia Brás.
Damas de má nota,
que a Glória vos queira:
Maria Caldeira
Beatriz da Mota.
Forte espadachim
das vielas de Alfama,
com essa má fama
mais te admiro em mim.
Parecem amargos
os fados benignos,
mas versos divinos
não querem os cargos.
Nem no paço estrelas,
nem em Ceuta as mouras
como estas senhoras
lhe parecem belas.
Ah! Se amado fosse!
Mas assim só quer
ninfas de água doce,
damas de aluguer.
4 Comments:
At 11:53 AM, Anonymous said…
O "Outro Misa", que eu desconhecia.
Isabel
At 6:53 PM, Paulo Cunha Porto said…
Querida Isabel:
Faz parte do «deve e haver» da "net" e da bloguística dar a conhecer aos outros só a parte mais universalmente estimável do
espírito de cada um. Eu não quero enganar ninguém. Pespego aqui também a face tenebrosa do misantropo. Neste caso como ele acredita, sem cinismo, mas, sem dúvida reprovavelmente, que o sórdido desempenha um papel social importante.
Mas "bojardas" como esta, permita-me a expressão, fazem parte do brandido pessimismo da besta. Se tem andado camuflado é porque ao pé do seu afecto não há persistência demolidora que resista.
Creia, a última coisa que queria era decepcioná-la. Tenha então em conta que «cão que ladra não morde...» ... muito, pelo menos.
Um beijo suplicante do Seu perdão.
At 7:37 PM, Anonymous said…
Perdão concedido.
Um dia vai ter de me dar esse suplicante, deve ser doce-mel.
Isabel
At 3:26 AM, Anonymous said…
GANDA RESPOSTA ao amigo poeta, ó Paulo!
Eu sou uma prostituta da palavra e vou onde for preciso, até ao Hades da irreverência absoluta.
Podes ir ao www.truca.pt, procurar um poema meu (dito pelo Luís Gaspar), em Palavras de Ouro: "Sémen de Poeta sabe a arco-íris".
(Não fui eu que comecei a falar de putas e de poetas)
Conselho: "As rolinhas devassas de Paris", Europa-América. Um belo catálogo de meninas e fresco da época.
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