Elogio em Causa Própria
.
Na tentativa de obedecer à recomendação que se encerra nessa mesma transcrição, retorno à conferência de Jorge Luís Borges sobre o livro na Universidade de Belgrano, em que a releitura é valorizada face à simples leitura.
E dou com uma afirmação tão surpreendente como por mim olvidada, segundo a qual os Antigos Gregos e Romanos não prezavam a passagem a escrito, quando comparada com a palavra oral: o preceito «Verba volunt, scripta manent», nesta ou na ordem oposta, significaria assim «que a palavra (escrita) é algo de(...) morto», não focando o lado fugaz da oralidade. Tenho alguma dúvida que assim fosse. Se é certo que, no caso concreto, o contacto com o Mestre era um critério de legitimidade na transmissão do testemunho, por nada igualar a apreensão integral da Figura venerada, tenho sérias dúvidas de que, considerados em abstracto, o verbal e o inscrito se vissem hierarquizados com vantagem para o primeiro. Com efeito, parece-me muito mais próximo da interpretação certeira o desenvolvimento que Monsenhor Moreira das Neves expressamente formulou sobre o preceito:
Não gastes o pensamento
Falando de ânimo leve.
Palavras leva-as o vento.
Não leva quanto se escreve.
Até porque a exactíssima Civilização Clássica que nos legou essa máxima criou uma outra «Qui scribit bis legit», esse quem escreve lê duas vezes que claramente alça o valor do que foi imortalizado pelo alfabeto. Aliás, no nosso tempo a questão está arrumada, pelo que o próprio Bibliotecário de Buenos Aires afirma, adiante, quanto aos sons dos discos e por causa do que Sartori defende e já aqui abordei: o audiovisual libertando e multiplicando os ditos com que bombardeia cada um de nós, larga mensagens para esquecer, não para a elas retornar, rememorando e pensando.
O que nos faz chegar à Sentença de Séneca sobre a impossibilidade de uma vida que permitisse ler cem livros. É certo que a plena digestão de uma só obra, ou de poucas pode ser trabalho de uma vida, ou exigir mais ainda. Mas, para estimular a agilidade mental, uma abundante biblioteca, desde que bem escolhida, pode permitir entrar pelas janelas das múltiplas referências evitando a porta fechada do que se torna mais difícil - a obcecada intenção de exaurir um volume. De resto, não foi na Antiguidade, em Alexandria, que um monumental acervo foi construído, com o primeiro depósito legal da História, que exigia a cada viajante em trânsito que entregasse os livros que transportasse, até que fossem copiados?
Por isso dou notícia, com vaidade e responsabilidade, não com vergonha: o census que ontem realizei, verificando no catálogo computorizado, deu a minha pequena livraria como contendo 23.114 exemplares.
Deus seja louvado!
Na tentativa de obedecer à recomendação que se encerra nessa mesma transcrição, retorno à conferência de Jorge Luís Borges sobre o livro na Universidade de Belgrano, em que a releitura é valorizada face à simples leitura.
E dou com uma afirmação tão surpreendente como por mim olvidada, segundo a qual os Antigos Gregos e Romanos não prezavam a passagem a escrito, quando comparada com a palavra oral: o preceito «Verba volunt, scripta manent», nesta ou na ordem oposta, significaria assim «que a palavra (escrita) é algo de(...) morto», não focando o lado fugaz da oralidade. Tenho alguma dúvida que assim fosse. Se é certo que, no caso concreto, o contacto com o Mestre era um critério de legitimidade na transmissão do testemunho, por nada igualar a apreensão integral da Figura venerada, tenho sérias dúvidas de que, considerados em abstracto, o verbal e o inscrito se vissem hierarquizados com vantagem para o primeiro. Com efeito, parece-me muito mais próximo da interpretação certeira o desenvolvimento que Monsenhor Moreira das Neves expressamente formulou sobre o preceito:
Não gastes o pensamento
Falando de ânimo leve.
Palavras leva-as o vento.
Não leva quanto se escreve.
Até porque a exactíssima Civilização Clássica que nos legou essa máxima criou uma outra «Qui scribit bis legit», esse quem escreve lê duas vezes que claramente alça o valor do que foi imortalizado pelo alfabeto. Aliás, no nosso tempo a questão está arrumada, pelo que o próprio Bibliotecário de Buenos Aires afirma, adiante, quanto aos sons dos discos e por causa do que Sartori defende e já aqui abordei: o audiovisual libertando e multiplicando os ditos com que bombardeia cada um de nós, larga mensagens para esquecer, não para a elas retornar, rememorando e pensando.
O que nos faz chegar à Sentença de Séneca sobre a impossibilidade de uma vida que permitisse ler cem livros. É certo que a plena digestão de uma só obra, ou de poucas pode ser trabalho de uma vida, ou exigir mais ainda. Mas, para estimular a agilidade mental, uma abundante biblioteca, desde que bem escolhida, pode permitir entrar pelas janelas das múltiplas referências evitando a porta fechada do que se torna mais difícil - a obcecada intenção de exaurir um volume. De resto, não foi na Antiguidade, em Alexandria, que um monumental acervo foi construído, com o primeiro depósito legal da História, que exigia a cada viajante em trânsito que entregasse os livros que transportasse, até que fossem copiados?
Por isso dou notícia, com vaidade e responsabilidade, não com vergonha: o census que ontem realizei, verificando no catálogo computorizado, deu a minha pequena livraria como contendo 23.114 exemplares.
Deus seja louvado!
7 Comments:
At 11:40 PM, Jansenista said…
Causando danos estruturais no prédio, hein? Em números estou vencido, recolho-me à trincheira do «tamanho não é documento»...
At 9:37 AM, Paulo Cunha Porto said…
Sabe, Caríssimo Jansenista, antes de Si já uma Querida Amiga tinha manifestado idêntica preocupação, hihihihi.
Claro que não estamos em competição alguma e apenas tentava opor a minha quota-parte de responsabilidade do conceito contemporâneo de biblioteca à preocupação deaproveitamento do grande Séneca.
Quase sinto remorsos de ter ousado falar na quantidade de um bem que deve, evidentemente, ter como critério de aquisição e posse o peso qualitativo com que aumente a capacidade espiritual do proprietário.
Mas há sempre um nico de vaidadezinha a cada esquina, quanto mais por detrás de cada pilha...
Abraço.
At 12:23 PM, Anonymous said…
Querido Paulo
E eu que tinha a mania que lia...
Beijinhos
At 12:30 PM, Paulo Cunha Porto said…
Querida Marta:
A Leitura não é mensurável pelos livros de que se dispõe, mas pela capacidade individual de os deglutir. E aí tenho a certeza de que me levará a palma.
Mas fiquei tão invejoso das altas cifras dos sapatos da Teresa que me vi coagido a publicitar os únicos objectos de que disponho em alta quantidade...
Beijinho.
At 7:38 PM, Paulo Cunha Porto said…
Sinto-me gratificadíssimo.
Bj.
At 2:19 AM, zazie said…
Que maravilha!
At 9:22 AM, Paulo Cunha Porto said…
Nada como um Roedor Letrado. Caríssimo MC, espero que uses os livrinhos para ler, que não os devores como alguns congéneres Teus. Tenho para aí um com um canto com uma dentada valentíssima. Mas como não atingiu o texto, era seiscentista e ficou baratinho por causa desse defeito...
Festinha.
Post a Comment
<< Home