A Decadência dos Laços
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Pensava eu que a troca de sangue era exclusiva dos aborígenes norte-americanos, até que li o relato de Roberto Ivens, que conta o procedimento a que foi sujeito, com Capello, para garantir a amizade do Chefe local N´Tenque:
«Como processo inicial, uns despem as calças, outros arregaçam os pannos. Seguidamente, em trajos menores, teve logar a exhibição de coxas.
Acocorando-nos os tres, eis-nos de pernas estendidas entrelaçadas com as colossaes do soba, tendo à direita António de faca em punho, e à esquerda um macota do chefe, de instrumento cortante empolgado, promptos a proceder à operação.
A um signal a dama tira do fogo a panella, e avançando para nós, pousa-a no terreno com quatro folhas verdes e alguns páus, em quanto António se lança á coxa do soba e o macota ás nossas, fazendo golpes por onde escorre logo o sangue.
Os operadores largam as facas para pegar nos taes paus, deitam em duas folhas gotas do nosso sangue e nas restantes as do soba, esfregando as incisões do regulo com aquellas que contêem o liquido das veias dos chefes da expedição e vice versa.
A mésinha entra depois em acção, e, deposta, mediante cenas ridiculas, sobre as mencionadas folhas, é applicada pela mão da dama a todas as feridas, rematando a ceremonia com um prolongado amplexo dos tres.».
Hoje seria impossível este intercâmbio. Em primeiro lugar, o medo da SIDA inviabilizá-lo-ia. Depois, o poder africano dos nossos dias não é estimável como o de então; e se ainda passa a ideia de vê-los sangrar, abraçá-los está para além das forças de qualquer um. Para concluir, o Mundo Africano que foi Português, no pensamento dos seus actuais dirigentes, só quer tirar-nos o sangue, no figurado sentido de dinheiro, sob cooperações e outras capas. Espera-se que o Confrade festejado no post anterior não haja passado por tais transes.
2 Comments:
At 11:38 AM, Je maintiendrai said…
Esta é óptima!
At 7:03 PM, Paulo Cunha Porto said…
Eu achei que não podia faltar este paralelo entre a tristeza que é e o colorido que antecedeu, Meu Caro Je Maintiendrai.
Meu Caro Espadachim:
E esta é a insacíável!
Meu Caro Visconde:
Refere-se ao grande «DE ANGOLA À CONTRACOSTA», não? Mas há outros, ainda mais raros.
Abraços aos Três.
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