A Carta Roubada
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No aniversário de Vermeer não me aventurarei pelas esotericíssimas teias ocultas e de herméticas medições do «Oficial com Mulher Risonha», nem pelo «Geógrafo» que exibe um raro compasso insuspeito de metáforas dúbias de confrarias de construtores. Dou-Vos «A Carta de Amor». Cá para mim, é evidente que o amor era proibido e a criada se tinha apropriado do papel para chantagear a patroa. Abotoada com as coroas, digo os florins que pedira, cá está ela a devolver o objecto que lhe permitira o ganho. De que outra maneira se justificaria o ar mais feliz do que o da destinatária? Não é com estas trombas que se costuma receber missivas ansiadas, ou é?
Mas Vermeer é um génio, na mesma.
E quem não concorde pode dizer que foi o misantropo que roubou a moral da história.
13 Comments:
At 10:56 PM, redonda said…
Não poderia ser por estar mais familiarizada com os prazeres do amor, enquanto a patroa completamente ingénua e virgem desconfia e receia de qualquer missiva? Ou então o apaixonado deu à criada uma recompensa, mas a patroa sabe que aquela carta não é daquele porque quem anseia?
At 11:18 PM, Anonymous said…
Uma interpretação oblíqua e uma redonda. Ambas fazem sentido. Cumpts.
At 11:47 PM, Paulo Cunha Porto said…
Querida Dona Redonda:
A primeira interpretação creio que é a que se impõe mais fortemente. Também me ocorreu, mas depois... se fosse tão ingénua teria tanto receio? E a expressão não se dirige à criada, em vez de, como é natural, se direccionar para a carta?
Quanto à segunda, confesso não a ter pensado. Mas então a expressão da criada manter-se-ia... porquê? O contentamento do suborno seria reportado a momento anterior, ao contrário das outras duas explicações, em que gozaria o prato do recato patronal, num caso, ou ainda o poder de ter a outra nas mãos, no segundo.
Mas tudo são conjecturas. Ao contrário da minha gratidão pela Circular Visita.
Beijinho, na esperança de A ter mais vezes por cá.
Meu Caro Bic Laranja:
Um Espírito Ecléctico o do Meu Querido Amigo. Que se passou hoje com as Suas caixas de comentários? Se for às da MFBA verá alguém que O estima a meter-se Consigo.
Abraço.
At 1:17 AM, Jansenista said…
Há que ir a Delft respirar a atmosfera (eu fui) e depois ver o filme da rapariga do brinco de pérola: coisas simples mas boas, como os ícones domésticos de Vermeer (ai, ia esquecendo The Embarrasment of Riches, de Simon Schama, onde tudo vem explicado!)
At 3:04 AM, Anonymous said…
As teses aqui apresentadas são intelectualmente desenvoltas e fazem sentido. Mas poderemos ainda ir mais longe no campo das hipóteses.
HELLER&QUEEN (dupla de detectives):
há uma relação gay entre as duas e a criada está a colocar por escrito várias práticas sexuais que gostaria de ver satisfeitas.
HERCULE POIROT:
A criada entrega a carta de um amante promíscuo, sabendo que o autor da carta não merece o amor da senhora. Todavia, estando chateada com a senhora por motivos que não vêm ao caso, não evita um sorriso de profunda e reconfortante vingança.
MIKE HAMMER:
A criada já leu a carta e descobriu vários erros ortográficos. Mas sabe que a senhora é pouco mais que analfabeta. Imaginando que a senhora não vai descontinar os erros, não consegue reprimir o sorriso.
A GATA CHRISTIE (prima de Julie Christie)
O perfume que emana da carta é do mais ordinário que há. A criada ri-se como forma de se superiorizar eroticamente à senhora, que já teve de recorrer aos seus préstimos sexuais em noites de mais melancolia.
At 11:41 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Jansenista:
O livro do Schama, que também tenho, oferecido por um Amigo de Sempre, historiador reputado, é excelente. Mas para o caso tenderia a demandar explicação menos sociológica. Fragilidades de ainda crer o Amor único...
Meu Caro Luís:
A do Poirot parece convincente, sem dúvida...
Abraços a Ambos.
At 12:29 PM, Anonymous said…
As ideias boas merecem, pra mais de tudo, continuação:
WATSON
(Sherlock anda a recuperar d'uma dose massiva de coca)
O indign(ad)o estrôncio frenologista, á luz da lua, adivinha os contornos da que não é e fala com a que é de quem não é. De resto, julgo ser ainda mais simples: a catraia sorri ao entregar-lhe a carta virada como indica o triângulo da abertura do sobrescrito, num sorriso que, diga-se, nada tem de Lisa.
At 3:24 PM, Paulo Cunha Porto said…
Arista:
A difamar ainda mais do que eu a Colaboradora, heim?
Ab.
At 4:16 PM, Anonymous said…
Caro Sr. Paulo Cunha Porto,
Passe os rabelos, pois que elogiar os outros não é mais que um elogio a si próprio.
At 9:02 PM, Paulo Cunha Porto said…
Aristar:
Isso seria o banimento do louvor. Que elogio em boca própria seja vitupério, percebe-se bem. Quando se faz o panegírico de quem merece é reconhecimento do mérito, ou seja, o que nos faz um pouco menos maus.
Ab.
At 9:03 PM, Paulo Cunha Porto said…
Aristae, pedão.
At 10:16 PM, Anonymous said…
Mais precisamente o passar das palavras aos actos.
Comsentido
At 8:31 AM, Anonymous said…
Sras. e Srs. detectives
Sei de fonte segura (não, não sou confidente da criada) que o selo da carta está intacto. O lacre não foi quebrado.
E porque haveriam de ser lacrados os simples billets-doux trocados entre enamorados por intermédio da criada?
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