O Triunfo da Sombra
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Não se pode dizer que se comemore, mas recorda-se. O suicídio de Henry de Montherlant ocorreu em 21 de Setembro de 1972, contudo correspondeu ao prevalecer de uma ideia que havia muito o acompanhava. É uma velha obsessão minha comparar as mortes auto-infligidas de Camilo e deste Autor Francês, ambos acabando com os seus dias na iminência da cegueira. Quanto a mim, Montherlant sofreu da tripla sujeição de ter sido um grande atleta, haver triunfado como autor trágico e não ter obtido êxito em não se levar demasiado a sério, ao ponto de mentir escusadamente sobre temas fúteis que lhe respeitassem. Grande romancista, ensaísta e dramaturgo que foi, debitou sempre, alto e bom som, uma concepção do suicídio como «a mais tónica das ideias» e «a parcela de liberdade na necessidade», reafirmando que perante a degradação das condições de vida a morte voluntária seria a derradeira forma de afirmação de si, à maneira de um Mestre Antigo, Catão. Prezava sem equilíbrio o corpo que fora grande; via a luta com um destino transcendente como o jogo em que não podia senão perder mas que lhe interditava conformar-se com a derrota; e, desligado do catolicismo ancestral, acreditava que o fim dos dias terrenos era uma vitória da vontade, não exergando que era a capitulação perante o acidental da existência. Claro que é fácil falar e difícil suportar. Mas muitos outros, intelectualmente não tão brilhantes, uns, mais até, outros, não se suicidaram. Foi essa presunção de si, a mesma que resumiu a candidatura à Academia Francesa a uma carta displicente que dizia não se opor à eleição que acabou por o vitimar. O orgulho, neste caso pecado duplamente mortal.
4 Comments:
At 10:48 PM, Jansenista said…
Belíssima evocação! Já nem me lembro em que momento da minha meninice francófona comecei a ouvir falar de Montherlant, e como admirei La Reine Morte!
At 4:37 AM, Mendo Ramires said…
Notável texto. De arrepiar.
At 8:48 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Jansenista:
Alguma afectividade também se baseará no facto de uma das obras teatrais maiores ser «PORT-ROYAL», imagino...
Meu Caro Mendo:
Era um Homem Extraordinário, que viveu uma situação ordinária, tentando justificar com uma forma à medida de si um desfecho da pobre dimensão do dilema. Mas nesse arrepio que referes estará a maior vitória pessoal dele, talvez não tanto na serenidade da máscara que quis cingir.
Abraços a Ambos.
At 8:56 AM, Jansenista said…
Claro, claro!
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