O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Tuesday, July 25, 2006

A Salto

Um comentário tão simpático como anónimo ao meu post de ontem sobre a tortura que certas concepções do salto alto podem implicar chama a atenção para dois pontos fundamentais: o mal que fará à saúde, presumivelmente à coluna, bem como o desconhecimento que desta predilecção a Grécia Antiga faria gala. No tocante ao primeiro ponto, é inegável que o exagero acarreta potencialmente problemas, mas tantos ou quase tantos como o salto raso a todo o tempo. Ouvi no outro dia um especialista defender, na TV, que o ideal é algum salto, sem pretensões a bater records. Quanto aos Gregos, seria pouco usado na vida de todos os dias, mas era empregue, tal como na Tebas egípcia 1000 anos antes do Salvador, para distinguir pela altura conforme a proeminência social dos personagens. E «personagem» não vai inocentemente, já que foi sobretudo no teatro, a partir de Esquilo, que este padrão foi usado. Assim como se indica que Alcibíades teria calçado, num transe de travestismo como o imputado ao Cristiano Ronaldo, uns coturnos elevados, o que indica que também Mulheres os utilizariam.
De resto, há alguns equívocos ligados ao caso. Diz-se ter sido a pequena Pompadour, para se elevar, a popularizá-los, quando modas similares tiveram breves vogas, séculos antes, nas cortes de Catarina de Médicis e Maria Tudor, que haviam introduzido a "inovação". E nos homens, Luís XIV, sem travestismo, também teria o que dizer.
Muita da culpa da carga erótica atribuída à alcandoração do calcanhar a níveis superiores é imputável a Casanova, creio que o primeiro a escrever sobre o agrado e o desejo que a coisa lhe provocava.
Quanto ao ataque das feministas, assentou na fantasia de que, restringindo os movimentos, impediria a «libertação pelo trabalho», o que é, para mim, conceito ininteligível. E que por os Homens gostarem de ver esses acessórios em femininos pés era uma submissão à vontade masculina que «transformaria a Mulher em objecto» Claro qua a primeira tese foi por água abaixo, quando as Mulheres começaram a usar os tacões para trabalhar. E a segunda acha-se algo prejudicada pelo quanto as Nossas Queridas Contrapartes se gostam de ver com eles. Moral da História: uma feminista vê opressão em tudo o que traz prazer.
E para rematar, um anexim norte-americano:
Good Girls usam saltos altos para trabalhar. Bad Girls usam saltos altos na cama».
Acrescento eu:
"Real Bad Girls usam-nos para ambos os propósitos, ao mesmo tempo".
Usem, mas não abusem.

6 Comments:

  • At 6:06 PM, Anonymous Anonymous said…

    Aceito a sua erudição sobre a Grécia antiga (referia-me à simples beleza do corpo humano, por si só, e ao valor atribuído ao equilíbrio natural do nosso corpo, que são gregos) e concordo que o primeiro feminismo exagerou nesse aspecto, tal como na problemática do soutien, por exemplo, esquecendo estupidamente a sua utilidade ergonómica.

    "é inegável que o exagero acarreta potencialmente problemas, mas tantos ou quase tantos como o salto raso a todo o tempo."
    Aqui é que não. Durante toda a minha vida usei salto raso e não tenho quaisquer problemas de saúde nos tornozelos ou calcanhares. E não quero imaginar que o Paulo tenha utilizado saltos altos para corrigir algum problema derivado do uso de salto raso a todo o tempo.

     
  • At 6:16 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Não, claro. Eu falava da especificidade do corpo feminino, conforme tratada pelo especialista em questão. O que uso e sempre usei foi o tacão masculino habitual, que, contudo, também não pode ser considerado raso, creio. Mas quer a altura, quer o centro de gravidade são, do homem para a Mulher, em muitos casos, diferentes.
    Obrigado.

     
  • At 9:20 PM, Anonymous Anonymous said…

    Caro Paulo, no meio é que está a virtude; mas, apesar disso, "usem mas não abusem"!

     
  • At 9:28 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Ora bem, Caríssimo Zé!
    Abraço.

     
  • At 11:23 PM, Anonymous Anonymous said…

    Fiquemos pelo meio termo. Já é bem distante dos critérios de Casanova...

    (Suponho que faça parte da natureza humana sacrificar o equilíbrio físico e dinâmico do corpo em favor da estética. Faziam-no no mesmo país e tempo onde se estabeleceu que tal não se devia fazer, e faz-se hoje, quer pelas mulheres que o continuaram a aceitar, quer em nome da magreza/anorexia, em nome das lipoaspirações, em nome dos piercings, e ninguém dirá que essas coisas todas também provêm da "opressão masculina."

    Mas tudo isso não muda o facto de se tratar de castigar o corpo em favor (?) da "alma." Fiquemos então pelo meio termo e deixemos que Casanova aprenda algo com os Gregos, que não Ésquilo...)

     
  • At 8:53 AM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Hihihi.
    É bem verdade que há uma incomensurável lista de alterações da naturalidade do corpo feminino que não podem ser arrumadas na opressão que é pau para toda a obra. Ainda sob o império desta ultima concepção há um livro «WOMAN AS SEX OBJECT», que, a par do alinhamento por essa perspectiva, tem imagens interessantes das transformações e torturas que o corpo feminino sofreu para observar as normas das modas.

     

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