Leitura Matinal -316
O Absurdo de reduzir a vida a uma centralidade arbitrária, nas mais
das vezes uma promoção imerecida de uma excepcionalidade que nos gostamos de inventar, seja dirigida à sobrestimação das particularidades, seja mitificando o afecto, por ser a zona psíquica em que mais se consegue estabelecer uma incomparabilidade-lisonja com credibilidade para aplacar a
nossa sede de um sol, tem, muitas vezes, efeitos perversos. Desde logo o de nos enfeudarmos a uma teoria e à sua tirania redutora, o primeiro passo para fecharmos os olhos à globalidade que nos rodeia e para deixarmos de conferir às coisas a importância própria do lugar que é o seu, num Mundo sem essas alterações artificiosas.
O maior dos desmoronamentos, contudo, jorrará da sensação de inelutabilidade contra o estado moral presente, sem perspectivar ou intentar melhorá-lo. O aperfeiçoamento tentado não é optimismo, muito pelo contrário. Dirigido a coisas concretas é resultante de insatisfação com o que se é. Abdicar dessa tentativa é pôr a nossa espécie ao nível dos animais que damos por irracionais, que se satisfazem com o que são, deixando o tempo passar, ciclicamente, por eles. Mas é também não exergar que esses têm muito melhores razões de orgulho.
De Arjen Duinker:
PASSAGEM DE ANO
Há pessoas que dizem
Que tudo gira em volta da economia.
A pulga também, a praga de pulgas, a lua.
Há pessoas que dizem
Que tudo gira em volta do amor.
A cabra também, o leite da cabra, o vento.
Mas como sou incapaz de entender tudo isso
Com a minha lógica acidental,
E tão-pouco sou capaz de o entender
Com o raciocínio de terceiros,
E menos ainda com um cérebro definitivo,
Proponho-me, gesto sereno,
Arrumar no sótão
O desejo de entendimento.
Pessoas haverá que dizem
Que tudo gira em volta do entendimento.
Também a praga de pulgas. Concordo.
Pessoas haverá que dizem
Que tudo gira em volta do que é único.
Também a pulga. Menção honrosa.
Pessoas haverá que dizem
Que tudo ficou como dantes.
Também o futuro. Sinto muito.
Olhando «Ano Novo», de Picasso, «Uma Cabra
no Prado», de Henriette Ronner-Knip e «Mudança
de Estações», de Mark Polomchak.
das vezes uma promoção imerecida de uma excepcionalidade que nos gostamos de inventar, seja dirigida à sobrestimação das particularidades, seja mitificando o afecto, por ser a zona psíquica em que mais se consegue estabelecer uma incomparabilidade-lisonja com credibilidade para aplacar a
nossa sede de um sol, tem, muitas vezes, efeitos perversos. Desde logo o de nos enfeudarmos a uma teoria e à sua tirania redutora, o primeiro passo para fecharmos os olhos à globalidade que nos rodeia e para deixarmos de conferir às coisas a importância própria do lugar que é o seu, num Mundo sem essas alterações artificiosas.
O maior dos desmoronamentos, contudo, jorrará da sensação de inelutabilidade contra o estado moral presente, sem perspectivar ou intentar melhorá-lo. O aperfeiçoamento tentado não é optimismo, muito pelo contrário. Dirigido a coisas concretas é resultante de insatisfação com o que se é. Abdicar dessa tentativa é pôr a nossa espécie ao nível dos animais que damos por irracionais, que se satisfazem com o que são, deixando o tempo passar, ciclicamente, por eles. Mas é também não exergar que esses têm muito melhores razões de orgulho.
De Arjen Duinker:
PASSAGEM DE ANO
Há pessoas que dizem
Que tudo gira em volta da economia.
A pulga também, a praga de pulgas, a lua.
Há pessoas que dizem
Que tudo gira em volta do amor.
A cabra também, o leite da cabra, o vento.
Mas como sou incapaz de entender tudo isso
Com a minha lógica acidental,
E tão-pouco sou capaz de o entender
Com o raciocínio de terceiros,
E menos ainda com um cérebro definitivo,
Proponho-me, gesto sereno,
Arrumar no sótão
O desejo de entendimento.
Pessoas haverá que dizem
Que tudo gira em volta do entendimento.
Também a praga de pulgas. Concordo.
Pessoas haverá que dizem
Que tudo gira em volta do que é único.
Também a pulga. Menção honrosa.
Pessoas haverá que dizem
Que tudo ficou como dantes.
Também o futuro. Sinto muito.
Olhando «Ano Novo», de Picasso, «Uma Cabra
no Prado», de Henriette Ronner-Knip e «Mudança
de Estações», de Mark Polomchak.
2 Comments:
At 12:07 AM, Jansenista said…
Falta o "Dog" de Ferlinghetti, tenho algures uma gravação muito "hip", talvez um dis apareça em pano de fundo do Ashram
At 8:43 AM, Paulo Cunha Porto said…
Ferlinghetti também era excelente, claro. Já publiquei um poema dele, numa «Leitura Matinal».
Ab.
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