A Traça e a Luz
Leio os ensaios que Kant escreveu, a propósito do Terramoto de Lisboa, de 1755; e surge-me esta pérola que, em dois séculos e meio, não parou de ganhar actualidade:
«O homem está tão soberbo de si que se julga o único objectivo das acções divinas, e estas não têm senão que cuidar dele de modo a estabelecer as medidas e regimento do mundo conforme os seus interesses.
Sabemos, porém, que a Natureza inteira é objecto digno da sabedoria divina e das suas obras. Nós não passamos de uma parte da Natureza, mas queremos ser considerados como se fôssemos ela inteira. Não queremos aceitar as regras gerais a que obedece a Natureza e desejamos que tudo esteja determinado só para nós.
Tudo o que há no mundo de comodidade e prazer pensamos nós que foi criado por nossa causa e que não há coisa, na Natureza, que traga ao homem incomodidade, que não aconteça para o corrigir, para o ameaçar ou para que Deus nele exercite a cólera divina».
Antes, o Filósofo de Koenigsberg tinha-se alongado sobre vantagens trazidas pelos tremores de terra, tais como infuência sobre as propriedades das águas que possibilitassem criações termais e melhorassem a vida futura. O que parecerá optimismo em excesso. Mas há que ter em conta que toda a prosa do Autor das «Criticas» tinha como finalidade contestar o entendimento da catástrofe como um castigo de Deus. Um primeiro comentário para interrogar-me se a atribuição ao Deus Trino de um desastre não prefigurará um caso paralelo ao do Pecado contra o Espírito Santo, o estabelecimento da autoria de um mal pela Intervenção de Deus, que é Amor. O segundo segue de perto a repugnância do Pensador Setecentista - estamos hipnotizados com a nossa imagem, qual traça com a luz. Mas o insecto tem mais gosto, escolhe pólos de atracção mais luminosos e volteja em torno de realidades exteriores a si. Pode dar-nos lições.
«O homem está tão soberbo de si que se julga o único objectivo das acções divinas, e estas não têm senão que cuidar dele de modo a estabelecer as medidas e regimento do mundo conforme os seus interesses.
Sabemos, porém, que a Natureza inteira é objecto digno da sabedoria divina e das suas obras. Nós não passamos de uma parte da Natureza, mas queremos ser considerados como se fôssemos ela inteira. Não queremos aceitar as regras gerais a que obedece a Natureza e desejamos que tudo esteja determinado só para nós.
Tudo o que há no mundo de comodidade e prazer pensamos nós que foi criado por nossa causa e que não há coisa, na Natureza, que traga ao homem incomodidade, que não aconteça para o corrigir, para o ameaçar ou para que Deus nele exercite a cólera divina».
Antes, o Filósofo de Koenigsberg tinha-se alongado sobre vantagens trazidas pelos tremores de terra, tais como infuência sobre as propriedades das águas que possibilitassem criações termais e melhorassem a vida futura. O que parecerá optimismo em excesso. Mas há que ter em conta que toda a prosa do Autor das «Criticas» tinha como finalidade contestar o entendimento da catástrofe como um castigo de Deus. Um primeiro comentário para interrogar-me se a atribuição ao Deus Trino de um desastre não prefigurará um caso paralelo ao do Pecado contra o Espírito Santo, o estabelecimento da autoria de um mal pela Intervenção de Deus, que é Amor. O segundo segue de perto a repugnância do Pensador Setecentista - estamos hipnotizados com a nossa imagem, qual traça com a luz. Mas o insecto tem mais gosto, escolhe pólos de atracção mais luminosos e volteja em torno de realidades exteriores a si. Pode dar-nos lições.
5 Comments:
At 9:01 PM, Anonymous said…
Grande lição. Obrigado.
At 9:31 PM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Bic Laranja:
a de Kant, sem dúvida.
Abraço.
At 12:13 AM, Jansenista said…
Havia uma edição da CML, mais recentemente uma da Almedina. É muito curioso a vários títulos, sobretudo porque evidencia a sofisticação técnica do Kant pré-crítico, que esboça já alguns dos temas de teodiceia que vão depois gerar as clivagens das Críticas (depois de ter lido Hume)...
At 1:44 AM, Anonymous said…
A única "Crítica" aceitável leva água tónica. Nem a pura nem a prática satisfazem plenamente.
At 9:27 AM, Paulo Cunha Porto said…
Caro Jansenista:
Foi a velhinha, da Câmara, que eu li. É texto realmente interessante, quer pelas hipóteses que arquitecta quanto às causas dos terramotos, quer pelos limites que lembra ao Homem, ao conceber, justamente, o "Trabalho Divino".
Meu Caro Luís:
é que a crítica é como o gin. Um pouco dura de engolir "a solo". Mas enquadrada sabe tão bem...
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