O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Sunday, March 26, 2006

Leitura Matinal -307

Se na justiça terrena adiro a uma intransigência expressa quanto
à retribuição possível de Bem e Mal, conforme os consigamos percepcionar, sem desculpações que enformem mitigação do estrito conceito de livre arbítrio, não consigo deixar de ter por ideal da Santidade - que de mim tão longe dista - a pena suprema do Amor, propiciadora do cuidado e do desgosto pela constatação de que, no Além, a condenação atinja aqueles que neste pobre mundo desceram à ínfima classe de não sentirem a dor que devia anteceder, acompanhar, ou suceder à rendição a uma qualquer forma de maldade.
Vem esta preocupação ainda antes de uma qualquer tentativa de imitar, dentro da pobre escala que é a nossa, o Exemplo Supremo; da simples constatação de um vácuo espiritual que leva muito abaixo dos pobres bichos, sacrificados e incapazes da culpa, membros da nossa própria espécie, em que a provisória ausência de dor é motivo mais do que suficiente para um sofrimento reflexivo que gostaria de se descentrar de si.
Até que se perca o pudor de chorar, tão conivente com um outro, o de sinceramente orar pela redenção universal. Sem a residual mas trespassante manifestação de um orgulho fatal, que nos isente da necessidade do perdão, não caindo nas igualizações artificiais, mas igualmente libertando o íntimo do sentimento de superioridade ridículo e enganador das auto-avaliações. Rumo à meta que consiste em todos os humanos crer dignos de dó e eleja a sua pessoa para o cumprimento da parte que lhe caiba, não a encerrando em redomas de excepcionalidade.
De Américo Durão:

Pelas vidas vazias
E as almas condenadas,
Tristes e voluptuosas
Como o insistir de um vício,
Uma voz reza e chora
No âmago de mim.

Reza e chora por esses
que trouxeram no sangue
a semente do mal,
E sem culpa nem dor,
Simples como animais,
Se renderam ao crime.

Reza e chora por esses
Assassinos perversos
E trágicos vampiros,
Que nas sombras opacas
Dos ângulos da noite
Se embriagam de sangue!

Reza e chora por esses
Doidos e ambiciosos,
Que na ânsia do oiro
Da fama e do poder
Se elevam decepando
As cabeças mais altas.

Reza e chora por esses
A quem dementa a inveja
E o ódio acerbo queima,
Como lava do Inferno,
A cair lentamente
Num coração ferido.

Reza e chora por esses
Vendidos e traidores
Rufiões e prostitutas,
Que sem pudor se exibem
Por entre as multidões,
Desenvoltos, sorrindo.

Reza e chora por esses
Dúbios e transviados
Nos caminhos do amor
Que ocultam no desejo,
Na posse e na volúpia
Um segredo triunfante.

Chora, Senhor, por esses
Que se escondem na morte
Sem o calor de um beijo,
Sem que as bocas se mordam
E se enlacem os corpos
Na comunhão do espasmo.

Chora, Senhor, por esses
Que nas doiradas sombras
De murmúrios vergéis
De frutos sazonados
E cristalinas fontes
Morrem de fome e de sede.

Chora, senhor, por esses
Santos e iluminados,
Artistas e profetas,
Que ausentes de si próprios
Caminham pelo mundo
Num halo de mistério.

Pelas vidas vazias
E as almas condenadas,
Tristes e voluptuosas
Como a obsessão de um vício,
Uma voz se perturba
Na solidão de mim.


Unindo o pranto a «O Amor das Almas», de
Jean Delville, «Plenitude de Vazio», de
Viola Fair e «Rezar», de Diana Buzoianu.

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