O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Wednesday, March 08, 2006

Leitura Matinal -289

A habilidade que nos gostamos de reconhecer no manejar das palavras,
no sentido de conformar as motivações e as reacções, fez-nos criar a "indignação". Nela cabe o pecado capital da ira e todas as raivas menores, assim
classificados no conceito que exprime reprovação extrema de maldades ou injustiças. É, pois, uma permanente valorização positiva de uma atitude reactiva, que vem já desde o conceito da Nemésis grega,
portadora da espada que se ergue contra muitos males dominantes no Mundo. É a dupla avaliação de negatividade extrema contra a qual estamos autorizados a dirigir a natural desaprovação, nas formas extremas que, por vezes, tolda o juízo, levando, dolosamente ou não, a estender o conceito, de modo a que nele caibam todas as reprovações que geramos.
Tudo isto seria humano, demasiado humano, se não fosse o facto de, cronicamente benévolos para conosco, relegarmos para os excessos dos pregadores as ameaças da Ira divina, fiados em que a Piedade Incomensurável isenta a Humanidade da
expressão máxima de uma condenação. Fazemos com Deus o que fazemos uns aos outros, consideramos a nossa indignação mais fundada do que as restantes. Mas como toda a indignação encerra uns pós de impotência, temos de concordar com o Poeta, o que está para vir é bem Outra Coisa.
De Mario Bojórquez:

CASIDA DA INDIGNAÇÃO

Zangado, perdido já
Nessa levedura amarga, pelo onde hoje
Não sei sim hoje, ou sempre
Meu coração acende-se
E horrível pulsação
Fósforo e teia
Arde impaciente
.......Indignação.

Indignação se chama
Este oblíquo mal-estar e fúria
Fúria o destroço que o sangue deixa
Ao passar dum orgão a outro orgão.
Que percorrer de sangue, que veneno,
Que volvido contra si, se contamina!

Indignação, acaso
Ou náusea de injustiça
Mas não, seguradamente indignação
E sim coragem e raiva.


Com uma imagem de Nemesis, o monstro
da indignação segundo Margie Green e
«A cólera de Assuerus», de Jan Steen.

2 Comments:

  • At 12:24 AM, Blogger Viajante said…

    AH, o carácter ambíguo da ira como pecado capital. Que colocada ao serviço de uma boa causa, nem o será. E a indignação, enquanto capacidade humana, é notável.
    Toca efectivamente a coragem, a bondade, o altruísmo...
    Gosto da ira, nesta perspectiva. Desde que parca ou distribuída com muitissima atenção.

    Um título de Nietzsche no meio? (risos) Sim, «humano, demasiado humano».
    Podeis responder «como Aurora», que sorrirei de novo.

    beijos, a pensar que há (raros) momentos em que apenas uma acção colérica repõe a justiça

     
  • At 9:46 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Chère Viajante:
    e o perigo proveniente dessa raridade é acentuado pela batota que usa a construção para legitimar acessos de cólera em casos de onde a justiça e até a justeza da posição estão arredadas.
    Distinguir umas das outras poderia justificar outro título, desde que descontextualizado: A Gaia Ciência.
    Bondade e altruísmo - como, imagino, coragem, para vencer a repugnância - estão presentes é nos beijos Vossos, que aqui dobro e redobro.

     

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