Leitura Matinal -288
É ainda alguma coisa - e não das mais pequenas - a imagem que
conseguimos deixar nas memórias dos outros. Assim como meio eficaz para combater o peso da solidão a ideia de que conseguimos gravar noutros a recordação de nós. Quando, porém, nos apercebemos da retirada de qualquer vestígio do que da nossa pessoa demos a conhecer, ao ponto de não permanecermos sequer no difuso suporte doutras
mentes, torna-se esmagadora a pressão que nos comprime em direcção do absoluto inexistir. Podemos contrariar a terrível percepção, enganando-nos, dizendo, como o fez Alguém mais sábio, que, por pensarmos, existimos. Mas essa unidade que identificamos de nada vale. É apenas um factor da multiplicação que tem o nada à frente do sinal "vezes". O que torna evidente o resultado.
De María Beneyto:
TEMPORAL PASSAGEIRO INADVERTIDO
A solidão ou o múltiplo perfeito
do pequeno nada, as árvores
cansadas de abraçar inutilmente
os ventos errantes,
aliam-se ao calor, precipitam-se
nas minhas costas, e doem-me.
Vim, trazendo
a minha ausência comigo.
Nada lhes deixo para que perguntem
por mim, pois já ninguém me recorda.
Talvez nem notassem
ali, nas suas proximidades
nem sequer então
quando pisei ruas
e lugares de voz e de luz, e música,
quando dei as mãos ou beijei faces
e perguntei aos olhos pela minha imagem.
(Quando julguei ser parte daquele todo
onde nunca estive).
Domo Dali viu a «Solidão», a par da imagem que
Emma Whisker tem de «Uma Infinda Quantidade de
Nada»
conseguimos deixar nas memórias dos outros. Assim como meio eficaz para combater o peso da solidão a ideia de que conseguimos gravar noutros a recordação de nós. Quando, porém, nos apercebemos da retirada de qualquer vestígio do que da nossa pessoa demos a conhecer, ao ponto de não permanecermos sequer no difuso suporte doutras
mentes, torna-se esmagadora a pressão que nos comprime em direcção do absoluto inexistir. Podemos contrariar a terrível percepção, enganando-nos, dizendo, como o fez Alguém mais sábio, que, por pensarmos, existimos. Mas essa unidade que identificamos de nada vale. É apenas um factor da multiplicação que tem o nada à frente do sinal "vezes". O que torna evidente o resultado.
De María Beneyto:
TEMPORAL PASSAGEIRO INADVERTIDO
A solidão ou o múltiplo perfeito
do pequeno nada, as árvores
cansadas de abraçar inutilmente
os ventos errantes,
aliam-se ao calor, precipitam-se
nas minhas costas, e doem-me.
Vim, trazendo
a minha ausência comigo.
Nada lhes deixo para que perguntem
por mim, pois já ninguém me recorda.
Talvez nem notassem
ali, nas suas proximidades
nem sequer então
quando pisei ruas
e lugares de voz e de luz, e música,
quando dei as mãos ou beijei faces
e perguntei aos olhos pela minha imagem.
(Quando julguei ser parte daquele todo
onde nunca estive).
Domo Dali viu a «Solidão», a par da imagem que
Emma Whisker tem de «Uma Infinda Quantidade de
Nada»
2 Comments:
At 8:53 PM, Viajante said…
Memórias, remniniscências, lembranças. Parecem quase iguais mas tenho que não são!
E por mais que se apague e reescreva, se esconda ou se arrume, ninguém verdadeiramente in-existe. (Ah, salvaguardia os casos de amnésia patológica ou de degenerescência senil).
Existimos com os outros, pelos outros, e, algumas vezes, apesar dos outros. Tendo por certoq ue a companhia que resiste é a própria (e a daqueles que tocamos).
beijos, de alegre memória
At 9:55 PM, Paulo Cunha Porto said…
Apesar dos outros, sem dúvida, também. Mas serão esses aqueles que nos esqueceram, ou os que por inversa reacção, não querem lembrar-nos, ou querendo-o pretendem remeter-nos para o passado? Duvido que se trate dos primeiros. O solipsismo memorialístico, meramente cogitável, acabará por convencer a sua vítima e autor da igualdade a zero.
Beijo, que nulo não seja.
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