O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Friday, February 24, 2006

Leitura Matinal -277

Se construir castelos no ar é sina de muitos homens, o deslumbramento
consigo leva a edificar, muitas vezes, construções ainda menos fundadas. A embriaguez que a aceitação da palavra desperta gera a pobre ilusão de que, verdadeiramente, se atingiu a absoluta permanência do saber, não permitindo identificar a causa da populariedade com factores muito mais transitórios e razoavelmente mais impressivos, como o aspecto agradável, ou o poder de uma voz vigorosa.
O desengano chega com a deserção dos "discípulos", com a infidelidade e o abandono do público. A utilização de migalhas de saber estava, afinal, bem longe da sabedoria, até pela vertente mundana em que triunfava. Para os outros, o que antes davam como energia e erudição reduz-se hoje a caturrice e mania. O desgosto maior assenta em que, olhando para o espelho, a consciência de pequena fraude presente no passado de cada orador leva a concordar com eles...
E o assalto da tristeza do declínio, multiplicado pela enormidade do vazio que substitui os aplausos calorosos doutros tempos, pode, contudo, suscitar uma meditação que permite inteligir muito mais duradouramente: a certeza de que o pior dos fundamentos para uma relação intelectual e, sobretudo, para um pensamento, é o entusiasmo.
Como escreveu Gottfried Keller, segundo A. Herculano de
Carvalho:

«Todo o saber que eu tinha, andava em minha trança,
Tôda a minha ciência, em meus lábios vermelhos,
E todo o meu poder, nessa água que descansa
Dos meus olhos no fundo, azul, de claro espelho.

Cem discípulos vi desta bôca suspensos,
Presos de meu cabelo em tão sábios anéis;
Cem súbditos possuí, de meus olhos imensos
Desejando um clarão, como escravos fiéis.

Pende agora, mortal, meu cabelo, coitado!
Como vela no mar quando a brisa não vem,
E sinto o coração no corpo abandonado
Qual pêndula a bater num quarto sem ninguém.


Sublinhado por «Audiência», de Diana Ong, «Envelhecido»,
de Andrew Jones e «Vazio», de Joseph Marek.

2 Comments:

  • At 4:01 PM, Blogger João Villalobos said…

    Este poema tem uma métrica, ou seja, um ritmo e musicalidade invejáveis. Quanto ao tema, fica para outras núpcias.
    Mas, mais uma vez, clamo pelos poemas da autoria própria do Misantropo, aqueles que adormecendo na gaveta não despertam a nossa consciência...

     
  • At 8:21 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Meu Caro João:
    Infelizmente, a minha fraqueza é a de muitos outros poetas improvisados do nosso País: a maior parte dos meus poemas são de natureza íntima, que não quereria vistos por outros olhos que os Daquelas a Quem foram dirigidos. Há meia dúzia com temática diversa. Um já aqui publiquei. Não quereria sobrecarregar os Amigos do misantropo com mais "poesia" de terceira.
    Grande abraço.

     

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