Leitura Matinal -272
No Oriente, como no Ocidente, a noção de que a sabedoria é coisa
mais difícil de alcançar do que o saber e se expressa na ambiguidade está bem presente. Mas enquanto na Herança Grega a concretização deste entendimento se encontrava na interpretação difícil e muitas vezes enganadora dos oráculos, pela fabilidade humana, na Tradição Oriental é constatável nas acepções que se podem retirar das respostas dos Sábios, no próprio instante. Num tão espinhoso assunto, no Nascente
como no Poente, tal a tentativa de o Poder utilizar os Pensadores, o diálogo entre um detentor da soberania e um solitário cujo isolamento permitiu o acesso às revelações espirituais é elucidativo. Cada uma das três réplicas comporta duas leituras opostas uma de suprema rejeição, outra de insuperável cortesia: À primeira pergunta, sobre a imortalidade, pode crer-se que a contestação seria ou o altivo desengano "não é para Ti", ou a urbanidade extrema que salienta a boa governação. À segunda questão, seria possível ver o dito sabedor como uma estigmatização de todas as visitas, a Imperial incluída, ou, pelo contrário, uma vez que o Interlocutor estava a ser recebido, a distinção dele como visita desejada, ao contrário das outras.
E, por último, a minha preferida: Tão capaz de consubstanciar o extremo da modéstia, negando-se a si capacidade para interferir no governo da Humanidade, deixando-o a Outros Estatutos, como de exprimir o desprezo pela Espécie, por parte de quem olharia apenas para Mais Alto. Se todos tivessem tido esta muito sabedora e perspicaz conduta, ter-se-iam evitado, peor obra e graça das construções dos intelectuais, muitas ilusões, tensões e arrependimentos, gerados pelas construções dos filósofos e sua intervenção no processo político, como pela sua instrumentalização por César. Ler e meditar.
A estela chinesa revelada ao Ocidente por Victor
Segalen, na lusa versão de Pedro Tamen:
EM HONRA DE UM SÁBIO SOLITÁRIO
Eu, o Imperador, vim. Saúdo o Sábio que, durante
setenta anos, revirou e trabalhou as nossas Mutações
antigas e ergueu novos saberes.
Espero a lição do Velho Pai: e, antes de tudo, terá
encontrado a Panaceia dos Imortais? Como se ganha um
lugar no meio dos Génios?
*
Diz o Sábio: Fazer subir ao Céu o Príncipe que aqui está
seria uma desgraça para o império terrestre.
*
Eu, o Imperador, interrogo o Solitário: terá recebido na
sua caverna a visita dos trinta e seis mil Espíritos, ou
apenas de alguns desses Altíssimos?
*
Eu, o Solitário, não gosto dos visitantes importunos.
*
Eu, o Imperador, imploro enfim ao Sábio o poder de ser
útil aos homens: alguma coisa para o bem dos homens!
*
O Sábio diz: Sábio que sou, nunca cuidei dos homens.
Ornada com «O Homem Solitário», de Vince Sangmeister,
«Ambiguidade», de Hu Long e «Sagesse Oriental Ensina-me
a Tua Sabedoria», de Getty Long.
mais difícil de alcançar do que o saber e se expressa na ambiguidade está bem presente. Mas enquanto na Herança Grega a concretização deste entendimento se encontrava na interpretação difícil e muitas vezes enganadora dos oráculos, pela fabilidade humana, na Tradição Oriental é constatável nas acepções que se podem retirar das respostas dos Sábios, no próprio instante. Num tão espinhoso assunto, no Nascente
como no Poente, tal a tentativa de o Poder utilizar os Pensadores, o diálogo entre um detentor da soberania e um solitário cujo isolamento permitiu o acesso às revelações espirituais é elucidativo. Cada uma das três réplicas comporta duas leituras opostas uma de suprema rejeição, outra de insuperável cortesia: À primeira pergunta, sobre a imortalidade, pode crer-se que a contestação seria ou o altivo desengano "não é para Ti", ou a urbanidade extrema que salienta a boa governação. À segunda questão, seria possível ver o dito sabedor como uma estigmatização de todas as visitas, a Imperial incluída, ou, pelo contrário, uma vez que o Interlocutor estava a ser recebido, a distinção dele como visita desejada, ao contrário das outras.
E, por último, a minha preferida: Tão capaz de consubstanciar o extremo da modéstia, negando-se a si capacidade para interferir no governo da Humanidade, deixando-o a Outros Estatutos, como de exprimir o desprezo pela Espécie, por parte de quem olharia apenas para Mais Alto. Se todos tivessem tido esta muito sabedora e perspicaz conduta, ter-se-iam evitado, peor obra e graça das construções dos intelectuais, muitas ilusões, tensões e arrependimentos, gerados pelas construções dos filósofos e sua intervenção no processo político, como pela sua instrumentalização por César. Ler e meditar.
A estela chinesa revelada ao Ocidente por Victor
Segalen, na lusa versão de Pedro Tamen:
EM HONRA DE UM SÁBIO SOLITÁRIO
Eu, o Imperador, vim. Saúdo o Sábio que, durante
setenta anos, revirou e trabalhou as nossas Mutações
antigas e ergueu novos saberes.
Espero a lição do Velho Pai: e, antes de tudo, terá
encontrado a Panaceia dos Imortais? Como se ganha um
lugar no meio dos Génios?
*
Diz o Sábio: Fazer subir ao Céu o Príncipe que aqui está
seria uma desgraça para o império terrestre.
*
Eu, o Imperador, interrogo o Solitário: terá recebido na
sua caverna a visita dos trinta e seis mil Espíritos, ou
apenas de alguns desses Altíssimos?
*
Eu, o Solitário, não gosto dos visitantes importunos.
*
Eu, o Imperador, imploro enfim ao Sábio o poder de ser
útil aos homens: alguma coisa para o bem dos homens!
*
O Sábio diz: Sábio que sou, nunca cuidei dos homens.
Ornada com «O Homem Solitário», de Vince Sangmeister,
«Ambiguidade», de Hu Long e «Sagesse Oriental Ensina-me
a Tua Sabedoria», de Getty Long.
2 Comments:
At 1:35 PM, Je maintiendrai said…
Oportuna referência (estreia?) a Voctor Segalen nesta tertúlia. Dos poucos que nos transmitiu o Oriente sem levitações excessivas. Vou ver se encontro a edição portuguesa das "Estelas" (F. Oriente) e os dois vols. da obra completa. Que estão por aqui perto do cadeirão estão...
At 1:50 PM, Paulo Cunha Porto said…
Caro Je Maintiendrai:
eu retirei esta de uma edição, talvez parcelar, a da Cotovia. Não tenho conhecimentos para avaliar a bondade da tradução. Mas que o Português que Tamen com elas produziu é excelente, lá isso é...
Ab.
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