Leitura Matinal -257
O que é um homem despojado das memórias? Nada mais do que a ossatura sem o acréscimo de individualidade dado pelos traços, como
pelos sulcos, que é como quem diz, pela carne e pelo Passado. Mas momentos há em que a dor leva à decisão irrevogável de romper e ao projecto de não recordar, na medida em que se está a par do componente de desejo que a nostalgia encerra. É essa abdicação da humanidade - e de alguma ideia da masculinidade infeliz - que pressiona a enveredar pela jornada para o desconhecido, na medida em que faculta a certeza de afastamento do por demais conhecido.
Para lá da jactância de se lavar dos apelos que compuseram o mais importante do que antecedeu, trata-se de uma verdadeira declaração de intenções que encontra o mais irredutível orgulho na negação da fuga que é, pelo não-reconhecimento das causas que a geram, marchando decididamente para o mais volátil dos estatutos, que não sente o que poderia lembrar. Se quisesse alguma dessas atitudes. Se ainda se visse como homem. Ao invés do que anuncia.
De Alberto de Lacerda
(lembra-se, Jansenista?)
EU VOU PARTIR
Eu vou partir Não indiques
A ninguém a maravilha
De partir assim sem nada
Sem sequer uma saudade
Eu vou partir Sou o vento
E não propriamente um homem
Por isso não sei chorar
A ausência dos meus dedos
Dos teus cabelos do fogo
Dos teus olhos dos teus dedos
Da tua voz dos teus lábios
Eu vou partir Vou sem lábios
Vou sem voz sem nenhuns dedos
Vou sem olhos nem cabelos
Eu vou partir Sou o vento
Antigamente era um homem
Vou inteiramente só
Intercalando o primeiro «Viajante», de Michel
Henricot e «Indo Algures», de Shari Borkin.
pelos sulcos, que é como quem diz, pela carne e pelo Passado. Mas momentos há em que a dor leva à decisão irrevogável de romper e ao projecto de não recordar, na medida em que se está a par do componente de desejo que a nostalgia encerra. É essa abdicação da humanidade - e de alguma ideia da masculinidade infeliz - que pressiona a enveredar pela jornada para o desconhecido, na medida em que faculta a certeza de afastamento do por demais conhecido.
Para lá da jactância de se lavar dos apelos que compuseram o mais importante do que antecedeu, trata-se de uma verdadeira declaração de intenções que encontra o mais irredutível orgulho na negação da fuga que é, pelo não-reconhecimento das causas que a geram, marchando decididamente para o mais volátil dos estatutos, que não sente o que poderia lembrar. Se quisesse alguma dessas atitudes. Se ainda se visse como homem. Ao invés do que anuncia.
De Alberto de Lacerda
(lembra-se, Jansenista?)
EU VOU PARTIR
Eu vou partir Não indiques
A ninguém a maravilha
De partir assim sem nada
Sem sequer uma saudade
Eu vou partir Sou o vento
E não propriamente um homem
Por isso não sei chorar
A ausência dos meus dedos
Dos teus cabelos do fogo
Dos teus olhos dos teus dedos
Da tua voz dos teus lábios
Eu vou partir Vou sem lábios
Vou sem voz sem nenhuns dedos
Vou sem olhos nem cabelos
Eu vou partir Sou o vento
Antigamente era um homem
Vou inteiramente só
Intercalando o primeiro «Viajante», de Michel
Henricot e «Indo Algures», de Shari Borkin.
3 Comments:
At 1:46 PM, Anonymous said…
Alguém chorou ao ler este poema ...
At 1:49 PM, Jansenista said…
Se lembro! O prometido é devido!
At 2:03 PM, Paulo Cunha Porto said…
E não esqueço outra promessa feita. Está só a aguardar a ocasião propícia.
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