O Misantropo Enjaulado

O optimismo é uma preguiça do espírito. E. Herriot

Tuesday, December 20, 2005

Leitura Matinal -214

A consciência da Divina Presença é fundamental. Mas ainda é necessário algum trabalho para escapar à tentação paralisante do panteísmo. Se no recôndito da nossa interioridade logramos identificar a fusão
com a música sem notas da Criação, não nos devemos contentar com o maravilhamento a que leva a descoberta proporcionada pela dupla contemplação, nem relegarmos para Entidades transcendentes o entoar da Obra divina. Porque devemos ter em mente que Ele, depois de fazer o Homem, igualmente Se fez Homem. Donde, retirando o significado mais radical Dessa Encarnação da Melodia Divina, devemos ter consciência que não estamos sós com Ele no Mundo; e que, ao invés, o caminho certo vai
por tentarmos Subir às Alturas, pela tentativa de harmonizarmos o nosso coro Com o Grande Solista que nos criou. Sem sermos tolhidos pelo medo de desafinar, pois que a tentativa releva, por si só. E nessa articulação entre o êxtase de assistir ao espectáculo do Recital de Deus, e a iniciativa de nele participar estará a resposta capaz de dotar do Fôlego Supremo a bela dúvida enunciada no poema que publico.
De Kahil Gibran:

CANÇÃO DA ALMA

Nas profundezas da minha alma há
Uma canção sem palavras, uma canção que vive
Na semente do meu coração.
Ela recusa-se a misturar-se com tinta no
Pergaminho; ela envolve a minha afeição
Num manto transparente e flui,
Mas não nos meus lábios.

Como posso eu suspirá-la? Temo que ela se possa
Misturar com o Éter eterno;
a quem posso eu cantá-la? Ela habita
Na casa da minha alma, com medo dos
Ouvidos severos.

Quando olho para os meus olhos interiores
Eu vejo a sombra da sua sombra;
Quando toco na ponta dos meus dedos
Eu sinto as suas vibrações.

As escrituras das minhas mãos estão conscientes da sua
Presença tal como um lago deve reflectir
As estrelas cintilantes; as minhas lágrimas
Revelam-na, tal como as gotas brilhantes de orvalho
Revelam o segredo duma rosa que murcha.

É uma canção composta pela contemplação,
E publicada pelo silêncio,
E afastada pelo clamor,
E dobrada pela verdade,
E repetida pelos sonhos,
E compreendida pelo amor,
E escondida pelo despertar,
E cantada pela alma.

É a canção do amor;
Que Caim ou Esau a poderia cantar?

É mais perfumada que o jasmim:
Que voz a poderia escravizar?

É dirigida ao coração, como o segredo de uma virgem;
Que cordão a poderia estremecer?

Quem se atreve a unir o rugido do mar
Com o canto do rouxinol?
Quem se atreve a comparar a tempestade gritante
Com o suspiro de uma criança?
Quem se atreve a dizer alto as palavras
Que deveriam ser ditas pelo coração?
Que humano se atreve a cantar
A canção de Deus?


Ao lado estão «A Canção dos Anjos», de Adolph William
Bougereau e «Contemplação», de Benjamin Constant.

5 Comments:

  • At 7:07 PM, Blogger João Villalobos said…

    Ha! Uma escolha que tem que se lhe diga ;) Muito bem...

     
  • At 7:45 PM, Blogger Sandokan said…

    Bela escolha!
    Um abraço

     
  • At 8:51 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    A Vossa aprovação comove-me.
    Abraços

     
  • At 10:10 PM, Blogger Viajante said…

    Bougereau, que bem escolhido :)
    E a ideia de contemplação, aliada à de busca, realizam o jogo de ideias e a procura de sinfonia no perfeito Tom.

    Calo-me e deixo FP:

    O segredo da Busca é que não se acha.
    Eternos mundos infinitamente,
    Uns dentro de outros, sem cessar decorrem
    Inúteis; Sóis, Deuses, Deus dos Deuses
    Neles intercalados e perdidos
    Nem a nós encontramos no infinito.
    Tudo é sempre diverso, e sempre adiante
    De [Deus] e Deuses: essa, a luz incerta
    Da suprema verdade.

    :)

     
  • At 12:19 PM, Blogger Paulo Cunha Porto said…

    Foi essa, exactamente a intenção.
    O poema é muito belo.
    Beijo.

     

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