Leitura Matinal -212
Foi preciso pecorrer um longo caminho para suavizar a selvajaria dos hábitos de guerra. Mas foi-se conseguindo fazê-lo, até culminar, no Século XVIII, num "jogo de manobras um pouco mais perigoso".
Na contemporaneidade, porém voltámos para trás, por uma tripla ordem de razões. Em primeiro lugar, deixou de ser um conflito entre nações consequência dos serviços de Realezas diversas para passar a dizer respeito a todos, como afirmação de desígnio nacional ou de uma ideologia mobilizadora sobre as outras. Em segundo, a invenção de armas mais destruidoras veio estender a matança para além dos exércitos e de grupos populacionais apanhados no meio, sendo que os próprios contingentes armados se aproximaram da generalidade das populações, por serem formados por membros delas engajados ou mobilizados temporariamente, ou por profissionalizados que de outras opções de vida mal se distinguem. Sabe-se aliás que o derradeiro factor de diferenciação, a existência
reconhecida de combatentes privilegiados, pertencentes a unidades regularmente constituídas e portadores de uniforme, tem vindo a esbater-se, com o progressivo alargamento desse estatuto a todo e qualquer indivíduo que lute de armas na mão. Um terceiro e decisivo momento dá-se quando se proíbe a guerra, querendo pô-la fora da lei e não conseguindo mais que colocá-la fora do direito, como dizia Maurras, o que é pretexto para massacrar os vencidos, acusados de iniciativas bélicas. Apregoando um pacifismo enformador, como Nehru quando invadiu o Estado Português da Índia, atinge-se o ponto culminante do processo composto por todo este conjunto de elementos: absolutizando a bondade de um dos lados, com a consequente diabolização do adversário, confere-se às querelas internacionais o carácter que era apanágio das guerras civis, estendendo o ódio que pode alimentar enfrentamentos dolorosos. Que são, em regra mais sangrentos e duradouros do que as perícias de formatura do setecentismo europeu.
De Luís Filipe Castro Mendes, o amargo balanço de uma
amostra deste modo de conflito contemporâneo, como o
viu, arrastando-se, em Angola:
A paz que não encontras diz-se guerra.
Guerra se diz o estado natural:
homem lobo do homem nesta terra,
partilandoo seu bem do mesmo mal.
Dito de outra maneira, noutra lei:
guerra nos deu o ser, nosso crescer;
a paz que não conheces (e eu não sei)
irá ter algo mais para oferecer?
Terá ela outros frutos como fogo,
um tão branco clarão de artilharia,
a música da dor, o seu denodo
em cantar no mais dentro da agonia?
Terá ela outro trilho iluminado
onde arrastar por meses a miséria?
Ou irá ter a fome do seu lado
a corroer o interior da terra?
Podem ser vistos, como complemento, «Os Horrores da Guerra», de Rubens, «Uma Alegoria da Guerra de 1871», de Vasili Vereshagin e «Paz e Guerra (O Soldado Trabalhador)», de Horace Vernet.
Na contemporaneidade, porém voltámos para trás, por uma tripla ordem de razões. Em primeiro lugar, deixou de ser um conflito entre nações consequência dos serviços de Realezas diversas para passar a dizer respeito a todos, como afirmação de desígnio nacional ou de uma ideologia mobilizadora sobre as outras. Em segundo, a invenção de armas mais destruidoras veio estender a matança para além dos exércitos e de grupos populacionais apanhados no meio, sendo que os próprios contingentes armados se aproximaram da generalidade das populações, por serem formados por membros delas engajados ou mobilizados temporariamente, ou por profissionalizados que de outras opções de vida mal se distinguem. Sabe-se aliás que o derradeiro factor de diferenciação, a existência
reconhecida de combatentes privilegiados, pertencentes a unidades regularmente constituídas e portadores de uniforme, tem vindo a esbater-se, com o progressivo alargamento desse estatuto a todo e qualquer indivíduo que lute de armas na mão. Um terceiro e decisivo momento dá-se quando se proíbe a guerra, querendo pô-la fora da lei e não conseguindo mais que colocá-la fora do direito, como dizia Maurras, o que é pretexto para massacrar os vencidos, acusados de iniciativas bélicas. Apregoando um pacifismo enformador, como Nehru quando invadiu o Estado Português da Índia, atinge-se o ponto culminante do processo composto por todo este conjunto de elementos: absolutizando a bondade de um dos lados, com a consequente diabolização do adversário, confere-se às querelas internacionais o carácter que era apanágio das guerras civis, estendendo o ódio que pode alimentar enfrentamentos dolorosos. Que são, em regra mais sangrentos e duradouros do que as perícias de formatura do setecentismo europeu.
De Luís Filipe Castro Mendes, o amargo balanço de uma
amostra deste modo de conflito contemporâneo, como o
viu, arrastando-se, em Angola:
A paz que não encontras diz-se guerra.
Guerra se diz o estado natural:
homem lobo do homem nesta terra,
partilandoo seu bem do mesmo mal.
Dito de outra maneira, noutra lei:
guerra nos deu o ser, nosso crescer;
a paz que não conheces (e eu não sei)
irá ter algo mais para oferecer?
Terá ela outros frutos como fogo,
um tão branco clarão de artilharia,
a música da dor, o seu denodo
em cantar no mais dentro da agonia?
Terá ela outro trilho iluminado
onde arrastar por meses a miséria?
Ou irá ter a fome do seu lado
a corroer o interior da terra?
Podem ser vistos, como complemento, «Os Horrores da Guerra», de Rubens, «Uma Alegoria da Guerra de 1871», de Vasili Vereshagin e «Paz e Guerra (O Soldado Trabalhador)», de Horace Vernet.
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