Leitura Matinal -198
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Não é tanto a insânia que pesa, mas a forma pela qual ela é aferrolhada. Se da vertigem onírica se acorda ao fim da noite, ou, tanta vez, no meio dela, o hospício é experiência de amplitude mais
notória que o sonho, mas pouco, uma vez comparado com a perspectiva obsessiva da vida desprovida de janelas que libertem o espírito. Une-se a esta última por ser biografia, enquanto que a produção mental do sonho raramente o é e, ainda assim, apenas quando filtrada pela razão depuradoura. Sendo que um e a outra podem funcionar como recíprocos contra-venenos e ambos contra o devaneio, que é, no fim de contas, o acto de sonhar acordado. E haverá alguma ameaça mais perigosa para o equilíbrio mental do que a intervenção exterior que acorde, num desses momentos de total e alienante entrega? Como se sabe, é perigoso despertar os sonâmbulos. Não o será mais interromper a abstracção do ambiente exterior, pelo menos tanto como se acredita ser intervalar este com o império absoluto da criatividade interna? Oiçamos quem conhece este antagónico jogo de pressões, em grau elevado.
De Alda Merini, que viveu as três experiências:
Manicómio é palavra bem maior
do que as obscuras voragens do sonho,
mas vinha por vezes naquele tempo
filamento de azul ou uma canção
distante de rouxinol ou a tua boca
entreabria-se mordendo no azul
a mentira feroz da vida.
Ou uma mão impiedosa de doente
subia devagar à tua janela
silabando o teu nome e finalmente
desfeito o número imundo reencontravas
.............................toda a seriedade da tua vida.
Não é tanto a insânia que pesa, mas a forma pela qual ela é aferrolhada. Se da vertigem onírica se acorda ao fim da noite, ou, tanta vez, no meio dela, o hospício é experiência de amplitude mais
notória que o sonho, mas pouco, uma vez comparado com a perspectiva obsessiva da vida desprovida de janelas que libertem o espírito. Une-se a esta última por ser biografia, enquanto que a produção mental do sonho raramente o é e, ainda assim, apenas quando filtrada pela razão depuradoura. Sendo que um e a outra podem funcionar como recíprocos contra-venenos e ambos contra o devaneio, que é, no fim de contas, o acto de sonhar acordado. E haverá alguma ameaça mais perigosa para o equilíbrio mental do que a intervenção exterior que acorde, num desses momentos de total e alienante entrega? Como se sabe, é perigoso despertar os sonâmbulos. Não o será mais interromper a abstracção do ambiente exterior, pelo menos tanto como se acredita ser intervalar este com o império absoluto da criatividade interna? Oiçamos quem conhece este antagónico jogo de pressões, em grau elevado.
De Alda Merini, que viveu as três experiências:
Manicómio é palavra bem maior
do que as obscuras voragens do sonho,
mas vinha por vezes naquele tempo
filamento de azul ou uma canção
distante de rouxinol ou a tua boca
entreabria-se mordendo no azul
a mentira feroz da vida.
Ou uma mão impiedosa de doente
subia devagar à tua janela
silabando o teu nome e finalmente
desfeito o número imundo reencontravas
.............................toda a seriedade da tua vida.
3 Comments:
At 11:42 AM, Macro said…
Caro Paulo,
brilhante este blog..
Hoje tive um pesadelo com as presidenciais e a imagem que me navegou à vista foi essa mesma, as palavras também estão lá. Com sua licença irei surropiá-las para o macroscopio.
Bem haja e um abraço
RPM
At 7:18 PM, Anonymous said…
Querido Paulo:
No se si suscribo enteramente este post tuyo.
La dolencia mental es una de las dolencias mas terribles. Por ella misma, independientemente de como se llega a ella.
Por otro lado no es lo mismo una psicosis que un episodio unico de depresion.
Quizas haya todavia demasiados mitos acerca de la enfermedad mental.
Un abrazo,
Rafael Castela Santos
At 8:49 PM, Paulo Cunha Porto said…
Obrigado, Caro Rui, pelas palavras Amigas.
Caríssimo Rafael: falando com um Especialista no ramo, tenho de deixar claro que não alinho nas teorias que querem esbater a fronteira entre as doenças mentais e as alterações psíquicas que ficam aquém delas. O que pretendi sublinhar foi a delicadeza que implica lidar com os afectados por essas maleitas, que, se vítimas de bruscas experiências, podem comprometer de vez a sua capacidade de, estabilizadamente, aceitar, sem violência interior, as dificuldades impostas pela existência. Por muito que, em casos excepcionais, esta luta estimule a criatividade.
Mas o Rafael mais e melhor dirá.
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