Leitura Matinal -171
Como para o ocidental é difícil suportar a perspectiva de,
neste mundo, vir a ser nada e no Oriente há para quem
constitua a ideal libertação, o destino dado aos restos expressa
essas mesmas visões distintas. O enterro da extensão corporal
como paupérrima superstição de perdurar, face à queima desse
objecto incómodo que é o corpo. Mas nada é muito pouco. Se
nos reportarmos ao meio mundo que conhecemos, só surge
quando a memória do que fomos desaparece, que, sendo condição
necessária, não é suficiente. Com efeito, algum desconhecido,
com tempo e vocação, que, contemplando uma fotografia sem
indicações, ou, porque não(?), um crâneo desprovido dos traços
que a carne confere, pode pôr-se a divagar acerca do que terá
sido e, por ricochete, sobre o futuro que a todos toca. O que quer
dizer, também a ele, por sua vez. E assim esvaziado de propriedade
atingirá cada um a identificação com o universal, estranhamente
próxima, por tão distante, de visões orientais da Vida.
É que a Terra é redonda e ser nada, nela, é ser também muita coisa.
De Alfredo Brochado:
NADA
Tenho aqui à minha beira,
Sobra a minha secretária,
Entre muita coisa vária,
Uma pálida caveira.
Há muito nos conhecemos...
Hoje, porém, olhando-a, frente a frente,
O que mais me impressionou,
Não foi o frio,
Nem o vazio,
Que nela alguém notou.
O que mais me impressionou
Foi olhar aquela fronte,
Que certamente algum dia,
Com a mais santa alegria,
Alguém acarinhou.
O que mais me impressionou
Foi pensar
Que pelo fundo dos olhos,
De que nada agora existe,
Numa hora de amargura,
Muito triste, muito pura,
Uma lágrima tombou.
O que mais me impressionou
Foi pensar
Que esta pálida caveira,
Com sua tristeza infinda,
Foi alguma cara linda,
Por quem
Alguém
Suspirou.
neste mundo, vir a ser nada e no Oriente há para quem
constitua a ideal libertação, o destino dado aos restos expressa
essas mesmas visões distintas. O enterro da extensão corporal
como paupérrima superstição de perdurar, face à queima desse
objecto incómodo que é o corpo. Mas nada é muito pouco. Se
nos reportarmos ao meio mundo que conhecemos, só surge
quando a memória do que fomos desaparece, que, sendo condição
necessária, não é suficiente. Com efeito, algum desconhecido,
com tempo e vocação, que, contemplando uma fotografia sem
indicações, ou, porque não(?), um crâneo desprovido dos traços
que a carne confere, pode pôr-se a divagar acerca do que terá
sido e, por ricochete, sobre o futuro que a todos toca. O que quer
dizer, também a ele, por sua vez. E assim esvaziado de propriedade
atingirá cada um a identificação com o universal, estranhamente
próxima, por tão distante, de visões orientais da Vida.
É que a Terra é redonda e ser nada, nela, é ser também muita coisa.
De Alfredo Brochado:
NADA
Tenho aqui à minha beira,
Sobra a minha secretária,
Entre muita coisa vária,
Uma pálida caveira.
Há muito nos conhecemos...
Hoje, porém, olhando-a, frente a frente,
O que mais me impressionou,
Não foi o frio,
Nem o vazio,
Que nela alguém notou.
O que mais me impressionou
Foi olhar aquela fronte,
Que certamente algum dia,
Com a mais santa alegria,
Alguém acarinhou.
O que mais me impressionou
Foi pensar
Que pelo fundo dos olhos,
De que nada agora existe,
Numa hora de amargura,
Muito triste, muito pura,
Uma lágrima tombou.
O que mais me impressionou
Foi pensar
Que esta pálida caveira,
Com sua tristeza infinda,
Foi alguma cara linda,
Por quem
Alguém
Suspirou.
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