Soa a Campaínha
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Quanto pode a inacção! Retido em casa neste clássico dia de ressaca natalícia, em que a tolerância desfila triunfalmente, caso raro no sentido geral, ou frequentíssimo no que à de ponto toca, deu-me para pensar na moral e no escrúpulo. E não arranjei coisa melhor do que a frase atribuída ao Jean-Jacques, culpado de muitos crimes doutrinais, mas não desse, segundo a qual «nenhum de nós deixaria de fazer soar a campaínha que matasse um velho mandarim chinês, do outro jado do Mundo, se isso nos pudesse fazer ricos». Rousseau, está averiguado, nunca escreveu tal, apesar de vários papagaios portugueses o terem repetido por escrito, ao longo do Século XX. Têm uma desculpa, pois Balzac, em «LE PÉRE GORIOT» tinha posto Rastignac e um Amigo a reportarem-se ao Genebrino como fonte, confundindo-o, talvez, com um problema similar, de retirar proveito, sem chinesices, de um crime mitigado(!?) pela distância, enunciado por Chateaubriand no «GÉNIE...». Romântico por romântico, ou pré-romântico, à velocidade a que Balzac escrevia, a precisão enfrentava dificuldades de percurso. Mas eu tenho uma explicação, que ignoro se alguém já deu: o Autor do «Contrato Social» tem uma apreciação sobre a política e economia sínicas em que diz responderem os Mandarins encarregados da governação e tributação com a sua cabeça pelos resultados. O grande Honoré deve, numa noite mal dormida, ter misturado estes dois passos de desprezo pela vida e amalgamado um ao outro.
Ainda bem, digo. Porque nos deu, com Eça, um livrinho bem interessante. Nem o facto de pertencer ao Mandarinato, nem a idade avançada, ou seja, o que para a nossa decadente contemporaneidade são dois traços dispensáveis - a pertença a elite tradicional e a velhice - impedem o sentimento de remorso do protagonista de «O MANDARIM», por ter enriquecido à custa desse assassínio. E quando, fulminado pelo nojo dos interesseiros que o rodeavam, faz testamento ao Diabo, todos sabemos que estava a dar bens que já não eram seus, pois tudo o que tinha, até a alma, já lhe tinha sido cedido, pelo pacto expresso no homicídio com a mira do vil metal.
James Stewart garante ao filho, no final de «DO CÉU CAIU UMA ESTRELA», que «quando se ouve uma campaínha um anjo ganhou as suas asas». É bem verdade, mas, por vezes, são de anjos maus...
Quanto pode a inacção! Retido em casa neste clássico dia de ressaca natalícia, em que a tolerância desfila triunfalmente, caso raro no sentido geral, ou frequentíssimo no que à de ponto toca, deu-me para pensar na moral e no escrúpulo. E não arranjei coisa melhor do que a frase atribuída ao Jean-Jacques, culpado de muitos crimes doutrinais, mas não desse, segundo a qual «nenhum de nós deixaria de fazer soar a campaínha que matasse um velho mandarim chinês, do outro jado do Mundo, se isso nos pudesse fazer ricos». Rousseau, está averiguado, nunca escreveu tal, apesar de vários papagaios portugueses o terem repetido por escrito, ao longo do Século XX. Têm uma desculpa, pois Balzac, em «LE PÉRE GORIOT» tinha posto Rastignac e um Amigo a reportarem-se ao Genebrino como fonte, confundindo-o, talvez, com um problema similar, de retirar proveito, sem chinesices, de um crime mitigado(!?) pela distância, enunciado por Chateaubriand no «GÉNIE...». Romântico por romântico, ou pré-romântico, à velocidade a que Balzac escrevia, a precisão enfrentava dificuldades de percurso. Mas eu tenho uma explicação, que ignoro se alguém já deu: o Autor do «Contrato Social» tem uma apreciação sobre a política e economia sínicas em que diz responderem os Mandarins encarregados da governação e tributação com a sua cabeça pelos resultados. O grande Honoré deve, numa noite mal dormida, ter misturado estes dois passos de desprezo pela vida e amalgamado um ao outro.
Ainda bem, digo. Porque nos deu, com Eça, um livrinho bem interessante. Nem o facto de pertencer ao Mandarinato, nem a idade avançada, ou seja, o que para a nossa decadente contemporaneidade são dois traços dispensáveis - a pertença a elite tradicional e a velhice - impedem o sentimento de remorso do protagonista de «O MANDARIM», por ter enriquecido à custa desse assassínio. E quando, fulminado pelo nojo dos interesseiros que o rodeavam, faz testamento ao Diabo, todos sabemos que estava a dar bens que já não eram seus, pois tudo o que tinha, até a alma, já lhe tinha sido cedido, pelo pacto expresso no homicídio com a mira do vil metal.
James Stewart garante ao filho, no final de «DO CÉU CAIU UMA ESTRELA», que «quando se ouve uma campaínha um anjo ganhou as suas asas». É bem verdade, mas, por vezes, são de anjos maus...
2 Comments:
At 1:09 AM, Jansenista said…
Muito bem, o tema dava um belíssimo artigo de fundo - em torno da reflexão do que significa o «próximo distante», e da hipótese de a nossa moral da simpatia se esbater para lá do círculo mais imediato das nossas afinidades.
At 10:13 AM, Paulo Cunha Porto said…
Meu Caro Jansenista:
Era essa a postura do Autor do Génio do Cristianismo, declarando a fatalidade do remorso, em que o Eça, satiricamente, pegou. Sei que há um escrito de Ginzburg a trcer a coisa para invectivar a vocação colonial europeia, porém nunca lhe coloquei a vista em cima...
Abraço.
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